Fazia algum tempo que não se viam e nem conversavam. Um, sempre ocupado com as coisas das leis. O outro, como um aprendiz do tempo, andava no meio do povo ouvindo Os dois amigos (o homem simples e o homem das leis) voltaram a se encontrar.
E o homem das leis perguntou ao homem simples: — Como as pessoas do povo veem os homens das leis?
A indagação remeteu o pensamento do homem simples à pergunta de Jesus aos seus discípulos no povoado de Cesareia de Filipe, conforme o relato de Marcos (8,27-3):
– “Que dizem os homens que eu sou?” Eles responderam: “João Batista; outros, Elias; outros, ainda, um dos profetas”. “E vós”, perguntou ele, “quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “Tu és o Cristo”. Então, proibiu-os severamente de falar a alguém a seu respeito”.
Jesus, bem a rigor, não precisava saber o que os homens de seu tempo diziam ou pensavam a seu respeito, pois bem o sabia, tanto que anunciou que seria traído por um dos seus discípulos e morto pelo poder político e religioso da época: governantes, homens das leis e homens religiosos que sentiam seus poderes ameaçados pela avassaladora novo reino das bem-aventuranças.
Mas Jesus, lá no fundo, queria a expressão verbalizada dos seus próprios discípulos, pois neles seriam os propagadores originários de suas mensagens e deles passava a depender a coerência ou incoerência de como levariam à mensagem aos quatro cantos do mundo .
Depois da “viagem” aos tempos de Jesus, o homem simples – intrigado com a pergunta do homem das leis – recorreu à maiêutica socrática, fazendo-lhe a seguinte pergunta:
– E o que o amigo pensa que o povo pensa sobre a Justiça? Queria, o homem simples, saber o autoconceito do próprio, isto é, daquele que teve a coragem de lhe perguntar sobre a visão do povo de sua cidade a respeito dos homens das leis. Afinal, a coragem da pergunta também revela uma espécie de espírito aberto para receber qualquer comentário ou avaliação, positiva ou negativa.
E então o homem das leis respondeu ao homem simples: — quando vou às feiras e mercados (ali está o povo na luta diária pela sobrevivência que espera ser digna) ouço reclamações e descrenças em relação à Justiça, porque a consideram distante das necessidades do povo.
– Fale mais sobre o que consideras por “distantes das necessidades do povo”, disse o homem simples, reportando-se ao homem das leis, ao que este respondeu:
— Pessoas do povo acham que pobre não ganha causa nenhuma na Justiça, porque é pobre e que nem sempre o justo recebe o tratamento da Justiça com a medida certa de justiça, disse o homem das leis.
— Se como dizes, o povo tem essa sensação acerca da Justiça, retrucou o homem simples, talvez a voz do povo precise ser ouvida com mais atenção, pois, sobre a imagem e a função da Justiça (que deve garantir ao justo o que é justo e condenar pelas leis dos homens o transgressor das leis) ninguém pode duvidar.
Depois de fazer essa breve reflexão, o homem simples voltou a interpelar o homem das leis. Agora, fale-nos do seu próprio sentir e de suas sinceras convicções: como um homem das leis vê os homens das leis?
Então, o homem das leis respondeu: — Pessoas valorosas integram a Justiça e à Justiça se dedicam com amor e vocação e, se existe ou venha existir algum desvio de finalidade, isso pode ser explicado pela falibilidade humana ou, na visão aristotélica, algo que é inerente à variável dimensão ontológica do indivíduo.
E acrescentou ainda o homem das leis: – por certo que todos os homens das leis não estão acima das leis, mas devem ser defensores das leis e principais servos da Justiça para que ao justo seja dado o justo e o ímpio das leis seja julgado com a coragem necessária para o justo do injusto, o certo do errado.
A nobreza da Justiça – disse por sua vez o homem simples – está na nobreza dos homens que a integram, por isso, o maior prêmio da Justiça é a virtude como bandeira hasteada no mastro portentoso da honradez dos homens das leis que a integram.
Isso quer dizer, acrescentou o homem simples, que a virtude dos homens das leis designa a condição virtuosa da Justiça.
E à primeira pergunta do homem das leis – “Como as pessoas do povo veem os homens das leis?“ –, o homem simples disse ao final:
— A resposta que eu poderia lhe dar já foi dada por suas próprias observações: os homens podem fazer a Justiça ser ou não respeitada, pois a Justiça real sempre dependeu e sempre dependerá das escolhas virtuosas de seus agentes. Afinal, uma Justiça sem a credibilidade do seu povo é apenas um templo vazio, sem os valores da própria Justiça, complementou o homem simples.
E o homem das leis saiu daquele novo encontro muito pensativo, mas cheio de júbilo em seu coração pela proveitosa conversa com o homem simples, um amigo que cultiva a simplicidade como virtude.
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