A liberdade entre a torpeza e a virtude Océlio de Moraes 23.08.22 7h39 No ensaio filosófico 'Liberdade para a felicidade', concluiu-se que a liberdade é um dos pressupostos inarredáveis para a realização da felicidade. Ainda na esteira daquela reflexão filosófica, neste breve ensaio vou abordar o paradoxo da liberdade entre a torpeza e a virtude. Adota-se como tese ou argumento base a seguinte formulação: a torpeza constitui ofensa à natureza da liberdade individual, bem como se volta contra terceiros, enquanto que a virtude, porque é inerente à sabedoria, é um pilar da liberdade natural . Qualquer pessoa minimamente informada com qualidade de discernimento sobre o valor da liberdade não tem dúvida: não é fácil compatibilizar o direito à liberdade coletiva com a personalíssima liberdade natural de cada indivíduo, aquela inerente à legitimidade de autônoma de ser livre, referida por Kant na obra “Fundamentação da metafísica dos costumes”, onde também cuida do conflito inevitável entre uma vontade livre e uma vontade submetida à lei – tema que pode ser revisado no meu artigo "Liberdade para a felicidade”, publicado aqui na minha coluna. Recordemos que Kant considera que a autonomia da vontade é “propriedade do indivíduo” e que, em razão disso, “ela é, para si mesma, a sua lei, independentemente da natureza dos objetos do querer.” A regra (ou lei positiva) representa, nessa perspectiva, o grande cesto de acomodação da autonomia da vontade dos indivíduos com diferentes visões de mundo em diversas culturas. Para se ter uma ideia sobre o dificílimo e complexo paradoxo da liberdade entre a torpeza e a virtude, é necessário ter bem vivo na mente o total da população mundial atual, que, para nossa finalidade, também precisa ser analisada sob a perspectiva dos bilhões das ideologias ou ou práticas conflitos sobre a liberdade. Quando iniciei esse sucinto ensaio, na segunda, 22/08, às 15 horas, o supercomputador Wordometer” – que atualiza os nascimentos e mortes no mundo a cada segundo tempo real – registrava que a população mundial totalizava 7.969,258,801 Então, mais de 7 bilhões de seres humanos – mas aqui vamos considerar a grande maioria que pensa e experimenta concretamente apenas relativa autonomia de vontade – com os mais variados desejos em diversos países com ambiente de multiculturas: conforme os valores que baseiam as escolhas, inimagináveis são os conflitos pessoais (existenciais), os conflitos interpessoais e os conflitos coletivos que decorrem da explosão iminente dos desejos individuais e da necessária restrição ou regulação da liberdade pela lei . Por isso, por todo o tempo, a vida natural – breve ou longa – constitui, em si mesma, um permanente e potencial ambiente de conflitos que precisa ser, a cada instante, controlado e apaziguado ao mesmo tempo em que funciona como um laboratório para o aperfeiçoamento das virtudes de cada um dos sete bilhões de seres humanos, todos sequiosas da liberdade como direito fundamental, tanto quanto dos demais direitos que as tornem dignas. Entre as sucessivas gerações, são permanentes os choques e os conflitos de valores da liberdade, os quais potencializam diversos outros conflitos nas esferas individual e coletiva. Quer isso significar que quanto mais longa a vida natural, maiores serão os casos de conflitos de liberdade que cada indivíduo vai enfrentar, assim como nossas condutas estarão sempre sob os regimes regulatórios das sucessivas leis, conforme os valores e costumes vão mudando. Sob uma perspectiva filosófica, a questão dos conflitos humanos é refletida por Sêneca, o “velho”, – aquele nascido na cidade de Córdoba, Espanha, – ao tratar da injúria. da virtude e a arte de ser livre – reflexão que virou o livro “Sobre a brevidade da vida”, editado pela “Penguin & Companhia das Letras”. Seneca, orador e filósofo, identificava na vida mais longa maiores oportunidades à prática das ações virtuosas, desde que a vida fosse “bem planejada e utilizada”, isto é, a felicidade dependia das decisões virtuosas – liberdade de escolhas – no contexto de uma vida planejada. Para ele, a rigor, a vida longa não era apenas uma questão temporal, mas sobretudo uma questão de saber escolher as ações para bem executá las e viver na virtude, porque, disse o filósofo, “não recebemos uma vida breve, mas a fazemos”, conforme as opções que tornam as pessoas escravas (das más escolhas) ou pródigas (porque virtuosas). A execução das ações – quando ele se refere que “a vida é longa o bastante e nos foi generosamente concedida para a execução de ações, as mais importantes, caso toda ela seja bem planejada” – diz respeito à liberdade de escolha para a prática das “coisas mais importantes”.. “As coisas mais importantes" para a vida, na visão de Sêneca, era “a virtude” precisamente porque, através dela, o indivíduo se tornava livre. “A virtude é livre, inviolável, firme, inabalável”, escreveu, significado que na atualidade pode ser compreendida (a virtude) como aquilo que é indestrutível e incorruptível na natureza humana. Em oposição à virtude, Sêneca apontava a injúria, uma espécie de vício da natureza humana: “a injúria é uma torpeza”, advertia o filósofo enfatizando que a injúria (torpeza) tem por objetivo fazer o mal. Logo, em si mesma, a injúria é ofensiva à própria natureza da liberdade individual, bem como se volta contra terceiros, visto que ela consiste em “fazer o mal a alguém”. A torpeza se revela por esse duplo aspecto negativo. – “A injúria tem o seguinte propósito: fazer mal a alguém. A sabedoria, contudo, não deixa lugar para o mal”, escreveu Sêneca, distinguindo que a ação humana (“execução de ações”) está entre a virtude e a honradez (as quais deduzem a sabedoria) e a torpeza (que é o mal), este, como resultado da corrupção do sentido filosófico da liberdade de escolha e de ação. Portanto, as escolhas virtuosas (acerca das liberdades) são associadas à sabedoria O mal ou torpeza enquanto corrupção da liberdade é, assim, incompatível com a sabedoria e com a felicidade. Nas palavras de Sêneca:. “O mal é a torpeza. (...) Inadequada a uma vida feliz, (...) e para a promessa de algo maior e mais elevado”, enquanto que as “execuções de ações” bem planejadas promovem a felicidade, porque “a virtude é livre” e essa decorre da sabedoria. Em síntese, pode ser dito, a par das reflexões do filósofo espanhol, que o mal (torpeza de caráter) corrompe a liberdade natural ( autonomia da vontade) e espalha consequências nefastas em face das liberdades das outras pessoas e em face da sociedade. A virtude associada à sabedoria necessária para a “execução das ações mais elevadas" é a baliza necessária para o exercício da liberdade como condição à felicidade. Esse paradoxo da liberdade entre a torpeza e a virtude está no cotidiano dos mais de sete bilhões de seres humanos. Cada um de nós é desafiado às melhores e mais elevadas escolhas – na brevidade ou longevidade das nossas vidas – dando especial significado ao sentido virtuoso da liberdade e às nossas liberdades fundamentais . _______________ ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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