A liberdade em Sócrates (o general e o filósofo) Sobre a liberdade nos filósofos gregos clássicos Océlio de Morais 26.01.21 13h00 A vida e o pensamento dos filósofos clássicos gregos, a partir de Sócrates, sempre me fascinaram. Então decidi me impor um desafio: escrever uma série sobre a liberdade nos pensamentos de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, de Sêneca e de Jesus Cristo. O desafio é identificar sementes éticas que atravessaram os tempos e hoje emolduram o sentido da liberdade humana. Outro propósito ou objetivo é provocar reflexões livres (não indutivas) sobre o modo como, na atualidade, falamos e vivemos o sentido da liberdade. Nesse desafio, de início, estive pensando como falar sobre a liberdade no pensamento de Sócrates, um homem que foi general de guerra e ao mesmo tempo um filósofo da justiça e da moral. Um homem que, conforme a literatura sobre a sua vida, tinha por hábito andar descalço, tomar pouco banho, contemplar a natureza, descobrir a verdade pela argumentação e um gosto especial por estudos de sexologia. Confesso a dificuldade inicial, porque - embora eu tenha uma predileção pela filosofia socrática e pós-socrática - o filósofo grego nada escreveu durante todas as suas 7 décadas de vida. As reflexões e exemplos de vida ética do ateniense (469 a C. - 399 a C.) o tornaram merecidamente o pai da filosofia ocidental. Então é uma árdua tarefa escrever sobre a liberdade no pensamento de Sócrates. Mas vou me socorrer nos relatos dos seus discípulos, por exemplo, Platão e Xenofonte, este, através dos “Discursos sobre Sócrates”. Aquele, em “Apologia” (sobre a auto-defesa de Sócrates no tribunal antes de ser preso e condenado à morte), e em “Fédon” (sobre a alma e a morte de Sócrates), obras de Platão, tidas como as mais abrangentes do pensamento de Sócrates. A partir dessas obras, é perceptível que o tema da liberdade no pensamento de Sócrates está intrinsecamente ligado à justiça e à moral, que eram atributos dos sábios que expressavam e viviam conforme a a verdade. O sentido da liberdade, em Apologia de Sócrates, está intrinsecamente ligado à verdade, porque Sócrates considerava que a verdade era um bem moral. O livre arbítrio estava atrelado às escolhas ético-morais. Aliás, a esse propósito, em defesa própria, no tribunal, Sócrates promete aos juízes “pronunciar exclusivamente a verdade, sua preocupação como filósofo”. Sócrates acreditava que manteria sua liberdade, porque também apregoava que ao juiz cabia, como conduta ética: ouvir atentamente; considerar sobriamente e decidir imparcialmente”. Por isso, os juízes deviam ser virtuosos, eis que incluídos nas categorias dos homens livres, probos, corajosos e sábios. Homens não virtuosos não seriam livres, por isso, não teriam liberdade para julgar. Sócrates considerava que o “Sábio é aquele que conhece os limites da própria ignorância”; portanto, a sabedoria era uma virtude inerente aos homens livres e honestos que cultivavam a verdade: “A verdade não está com os homens, mas entre os homens”, deixando a entender que é um valor perfetível aos homens. Embora virtuoso e hábil na argumentação, a escolha de Sócrates como um dos generais atenienses na guerra do Peloponeso contra a Esparta não lhe renderam honrarias como era de costume aos generais de guerra, mas uma acusação de covardia e uma prisão. A acusação de ato de covardia: abandonar no campo de guerra os corpos dos soldados mortos, mesmo sabendo que era dever legal e moral do general enterrar os seus soldados ou morrer lutando. Sócrates ordenou que os sobreviventes retornassem à cidade de Atenas, sem enterrar os mortos. Julgado, conseguiu a liberdade por esse crime de guerra porque, com arte retórica incomparável, conseguiu convencer os juízes de que era mais vantajoso salvar os vivos do que guerrear até a morte. Deixou claro que salvar vidas dos soldados sobreviventes era um dever moral do general, o qual também tinha o dever de preservar as vidas dos comandados. No livro “The Death of Socrates (2007)”, Emily Wilson (doutora em literatura clássica e comparada na Universidade de Yale, e professora de Humanidades da Pensilvânia) analisa a condenação e morte de Sócrates: as acusações de profanação aos deuses (“não acreditar nos costumes e nos deuses gregos; unir-se a deuses malignos que gostam de destruir as cidades); e conspirador (corromper jovens com suas ideias”). A autora interpreta que Sócrates era um homem que soube viver a liberdade virtuosa, ensinando pelo exemplo de vida até mesmo na hora de decidir sobre a fuga da prisão (fuga facilitada por amigos) ou se tomaria a Cicuta, uma substância mortal extraída de plantas venenosas. “Apologia”, de Platão, narra que Sócrates teve 280 votos a favor e 230 contra a sua condenação e que o ateniense disse que “seus acusadores (Ânito, representante dos políticos, e mentor do processo contra Sócrates; Licon, representantes dos oradores e Meleto, representante dos poetas) nada disseram de verdade”. Decepcionado, mas convicto de suas ideias e de ensinamento sobre a sabedoria, declarou com ironia que lhe caracterizava: “a verdade era mais inteligente do que os sábios”. E preferiu beber a cicuta, ainda questionando os seus acusadores: “Como posso não acreditar nos deuses e ao mesmo tempo me unir a eles?''. E acrescentou, conforme Platão, em Fédon: Vocês me deixam escolher entre duas coisas: uma que eu sei ser horrível, que é viver sem poder passar meus conhecimentos adiante. A outra, que eu não conheço, que é a morte ... escolho pois o desconhecido!”. Vejam o extremo valor que o filósofo grego dava à liberdade de pensamento, ali corporificado como a própria essência da sua alma ou essência do seu ser: é horrível viver sem poder passar seus conhecimentos adiante. Por outras palavras: para Sócrates, viver sem a liberdade de ensinar a sua filosofia de vida, significava mortificar seus pensamentos e suas ideias. Significava anular a sua existência. A liberdade de pensar e de transmitir os ensinamentos era a própria razão de existir de Sócrates. Fora disso, não haveria vida livre. Ao revés, haveria prisão e mortificação do livre pensar. Sócrates levou às últimas consequências a liberdade de escolha ou o livre arbítrio, vinculado às duas regras que considerava inerentes à alma humana ou essência humana: a justiça e a moral, fora das quais não existirá a liberdade verdadeira. Por tudo isso que, certamente, Sócrates foi considerado o mais sábio dos sábios entre os homens de seu tempo: viveu a plenitude da liberdade de pensamento, dela não abdicando nem na hora da morte. Assine O Liberal e confira mais conteúdos e colunistas. 🗞 Entre no nosso grupo de notícias no WhatsApp e Telegram 📱 Palavras-chave colunas océlio de morais COMPARTILHE ESSA NOTÍCIA Océlio de Morais . Desculpe pela interrupção. Detectamos que você possui um bloqueador de anúncios ativo! Oferecemos notícia e informação de graça, mas produzir conteúdo de qualidade não é. Os anúncios são uma forma de garantir a receita do portal e o pagamento dos profissionais envolvidos. 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