“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no Reino dos Céus.”. (Mt. 7;20). Quem nunca se sentiu desafiado com essa advertência de Jesus feita no Sermão da Montanha ?
De minha parte, confesso que sempre, nessa estrada de um quarto de século na magistratura, contínuo sendo desafiado em particular quando penso na frase (“...se vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus …”), a qual remete à seguinte adaptação: e se na Casa da Justiça, o magistrado não é o guardião da Constituição e nem das leis, mas é o primeiro a cometer injustiças?
Voltemos à teológica de Jesus - assim o é porque a teologia é a ciência que se dedica à compreensão de Deus e aos seus desígnios às pessoas - para contextualizá-la. E, em seguida, retomaremos à questão adaptada, relacionando-a à função ética da Justiça àquele preceito ético-moral teológico de Jesus.
Pronunciado no ano de sua morte, o 33º do seu nascimento que marca a Era Cristã, o Sermão da Montanha - são unânimes os teólogos - é um conjunto de regras religiosas e éticos-morais, várias em contraposição às leis escritas e religiosas elaboradas pelos escribas e defendidas com bastante ortodoxia pelos fariseus.
Do que aprendi, em minha juventude, como estudante de Teologia, penso que é possível dizer que antes e na época de Jesus, os escribas eram homens (às mulheres era defeso o exercício dessa ofício) muito influentes, os denominados mestres e doutores da lei (a Torá). Não apenas as elaboravam, mas as interpretavam. E a interpretação também se constituía em regra era imperativa.
Rígidos na tradição da Torá, os fariseus - maioria opositora aos saduceus e aos essênios, mas com este também faziam alianças políticas -, eram os dominadores do Templo ou Sinagoga e se opunham ao ministério teológico de Jesus.
No ministério de Jesus, escribas e fariseu eram qualificados como hipócritas, porque desprezavam “o mais importante da lei, o juízo, a misericórdia e a fé”, e se preocupavam mais com o poder. Por causa disso, advertiu-lhes: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas!, (...)”. (Mt. 23:25).
Dos escribas e dos fariseus é a doutrina da retribuição, segundo a qual as recompensas e os castigos na vida eterna eram consequência dos atos da vida terrena. Muitos escribas eram fariseus.
Então, todos já sabemos a reação dos escribas e fariseus, desnudados em seu caráter moral pela teologia de Jesus: preferem a libertação do zelote Barrabás, um saltador e assassino confesso, à de Jesus, diante de Pôncio Pilatos, o então governador da Judeia.
Retornemos à função ética da Justiça em relação àquele preceito ético-moral teológico de Jesus, no Sermão da Montanha.
Creio que já deu para entender o fundamento da teologia de Jesus na frase - “… se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus …”. Ele desafia a construção de um sentido novo àquela velha justiça; quer uma nova justiça que adote como base “os limpos de coração”, porque, mesmo sofrendo “perseguição por causa da justiça”, terão garantido o “Reino dos Céus” (Mt. 5).
Se é possível comparar, pode-se dizer que o Sermão da Montanha é um verdadeiro código ético-moral legado àquele cristianismo nascente, sendo tão forte e real por seus fundamentos teológicos que já está perpetuado por todos os séculos e séculos.
Esse preceito teológico (ético moral) - “os limpos de coração” - é o que se pode equiparar à qualidade virtuosa do magistrado expressa nos princípios da “da integridade profissional e pessoal, da dignidade, da honra e do decoro”, exigíveis como condutas compatíveis ao exercício da magistratura, nos termos previstos no Código de Ética da Magistratura.
Não é forçado dizer, mas resta bem demonstrado que os princípios éticos-morais inerentes à magistratura tem raízes na teologia ético-moral de Jesus.
Observemos esses paralelo entre a teologia de Jesus e o padrão ético moral que exige o Código de Ética da Magistratura brasileira:
Não julgueis, para que não sejais julgados, porque com o juízo com que julgardes sereis julgados, e com a medida com que tiverdes medido vos hão de medir a vós.” (Mt.7:2).
Jesus se refere à hipocrisia dos escribas e oos fariseus: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho e, então, cuidarás em tirar o argueiro do olho do teu irmão.”
Por sua vez, o fundamento ético previsto à magistratura - portanto, de natureza moral - exige que o magistrado seja uma pessoa acima de qualquer suspeita, pois “a integridade de conduta do magistrado” (..) contribui para uma fundada confiança dos cidadãos na judicatura” (Art. 15).
Ao magistrado exige-se, na arte de julgar, integridade de conduta, sendo que por isso é totalmente ofensivo à dignidade do cargo proferir decisões em troca de favores pessoais: “ Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção” Art. 5º).
Por um modo mais simples de dizer; “os limpos de coração”, na teologia de Jesus, não são hipócritas e não fazem falso julgamento.
A dignidade, a honra e o decoro no exercício da magistratura - preceitos éticos-morais - exigidos ao Juiz tem como paralelo o seguinte: nenhuma “trave no olho” pode se opor ao cultivo dos princípios éticos.
A teologia ético-moral do Sermão da Montanha quer cristãos “limpos de coração”.
A filosofia ética destinada à magistratura, no Código de Ética, é essa: quer magistrados que cultivem “princípios éticos” na arte de julgar, visto que também é dever “a função educativa e exemplar de cidadania em face dos demais grupos sociais”, pois é disso que decorre a legitimação ao exercício da nobre missão.”
Assim sendo, na singeleza do ser (“ou limpos de coração, quer dizer, li,pos de maldades como a corrupção), na Casa da Justiça não haverá espaço paa injustiças.
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