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A corrupção ética das virtudes

Océlio de Morais

A parábola da moeda de César — quando Jesus é confrontado pelos fariseus espiões do Sinédrio que queriam arrancar-lhe uma declaração contra o sistema  de imposto romano —  é singularmente extraordinária, do ponto de vista da real impossibilidade de não se misturar valores do Reino dos Céus com coisas corrompidas do reino terreno.

Parábola – todos sabemos – é um recurso da linguagem  figurada onde a narrativa é curta, notadamente de conteúdo moral acerca da vida cotidiana. Jesus foi um  notável Mestre no uso das parábolas para anunciar as  boas novas do Reino dos Céus. 

A parábola da moeda de César apresentou a mensagem sobre dois mundos que não se confundem quanto aos valores e quanto à importância da vida humana.  A parábola foi usada no contexto do regime de impostos do sistema romano, questionado pelo povo, porque era tido como iníquo. Exatamente isso: não era assegurava equidade entre a taxação da riqueza dos ricos e os escassos ou  nenhum recursos dos pobres de então. 

Ardilosos, os fariseus do Sinédrio, querendo ganhar intimidade, primeiro,  elogiaram Jesus, Lucas (20:21) narra assim esse episódio:  “Mestre, sabemos que falas e ensinas o que é correto, (...) ensinas o caminho de Deus conforme a verdade”. Mas, em seguida,  ainda conforme o relato de Lucas (20:22), os fariseus tentaram pegar Jesus pela boca ou seja pelas palavras, quando lhe fizeram a seguinte pergunta capciosa: “É certo pagar imposto a César ou não?" 

O Mestre  das parábolas  não mordeu a isca e  lhes disse, depois de lhes mostrar  um denário (a principal moeda romana da época de Jesus)  : "Dêem a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”, (Lucas: 20:25”).  

E por que Jesus usa a moeda como referência? Porque a moeda simboliza a autoridade do imperador  Tiberius César Augusto,, eis que cunhada em sua homenagem: de lado, continha a imagem do imperador, com a inscrição "Tiberius César Augusto, filho do divino Augusto", e, do outro lado, tinha a figura da Deusa Paz sentada.

Quando Jesus declara “Deem a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, precisamente deixa claro a necessária separação dos dois reinos:  o Reino Espiritual e o reino terreno.  Separou o joio do trigo. 

O reino dos mortais, onde preponderam as falibilidades humanas, é o mundo vulnerável às tentações,   especialmente quando os valores são deturpados pela corrupção das coisas do mundo (Tiago 1:27). 

O outro, e mais importante, o Reino dos Céus, é o   anunciado por Jesus como  o Reino da espiritualidade, que é o Reino da Verdade:  “o meu reino não é deste mundo (...) meu Reino não é daqui” — disse Jesus a Pilatos naquele interrogatório, que sucedeu à sua prisão na noite de quinta-feira,  no horto Getsêmani.

A moeda de César – que também  representava o poder do império romano –  foi a perfeita linguagem figurada da separação dos dois reinos, porque Jesus já sabia da corrupção daquele sistema: o dinheiro e o poder estavam no centro e subornavam tudo. 

Pagai a César os impostos. Deem a César o dinheiro. São coisas terrenas. E deem a Deus a verdade do coração honesto. Eis a diferença de valores entre os dois mundos.  

Por isso, o novo “Reino da Verdade” não se confundia com nenhuma espécie de  poder terreno, precisamente porque o “Reino (de Deus)  começa no coração”, (17:20). E, sendo o “Reino da Verdade”, o evangelista Lucas também chama a atenção aos fariseus e dos romanos para que  “Não busqueis, aqui e ali, manifestações de poder terrestre (...)” (Lucas (17:21). 

Dentre as manifestações de poder terrestre estão a corrupção dos homens e dos governos, fato já  então advertido em Salmos, quando acusa que a corrupção é uma espécie de suborno — suborno que leva à sensação de impunidade:  “Os ímpios” — Salmos (12:8) — “andam altivos por toda parte, quando a corrupção é exaltada entre os homens”. 

A impunidade, com o passar do tempo, alimenta a corrupção, problema que  pode  levar à destruição da Nação: “A corrupção moral de uma nação faz cair seu governo (...)”, adverte Provérbios,  28:2.  A corrupção moral de uma nação é a corrupção ética das virtudes por aqueles que não compreenderam a beleza espiritual do “Reino da Verdade”.

Bem representativa e significativa dos dois reinos, a parábola não foi aceita pelos homens do Sinédrio, pelos fariseus e tampouco pelo império romano. Até mesmo um dos seus discípulos de Jesus se deixou corromper e O vendeu.

Àquela época,  os sistemas religioso e político – sentindo-se ameaçados pela promessa do novo Reino anunciado por Jesus –  se uniram para  corromper Judas Iscariote. O preço da corrupção foi altíssimo: trinta moedas.  E assim, ao mesmo tempo em que traiu Jesus, Judas também vendeu a própria dignidade. O Evangelho de João (18::14-16) narra assim o acerto entre eles:

– Então Judas Iscariotes, um dos doze discípulos, foi ter com os principais sacerdotes e perguntou: “Quanto estão dispostos a pagar-me para vos entregar Jesus?” Deram-lhe trinta moedas de prata. A partir dali, Judas mantinha-se atento, à espera de ocasião para entregar Jesus. 

A corrupção de Judas mostra que, ali também, o sistema jogava pesado  – e não media consequências – para manter o poder com todas as suas ramificações de influências (corruptas e corruptoras) em todas as esferas da sociedade da época.  

Os sacerdotes faziam parte do sistema religioso que queria a morte de Jesus, conforme relata João 18: 1 “Ora, Caifás era quem tinha aconselhado aos judeus que convinha que um homem morresse pelo povo.”

A corrupção de Judas Iscariotes — ocorrida bem depois da parábola da moeda de César — ratifica que o reino terreno é suscetível às corrupções humanas,  que podem ser traduzidas como a perda da dignidade ético-moral.

  Exemplos dessa deterioração ética foram  os doutores da lei, fariseus, Pilatos e Judas não ouviram a voz da verdade, à medida que optaram pela corrupção das coisas do mundo.  E assim ficou demonstrado que as coisas (corrompidas) do mundo são incompatíveis com as coisas verdadeiras do Reino dos Céus, que nasce no coração honesto. 

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais