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O.J.C. MORAIS

OCÉLIO DE JESÚS C. MORAIS

PhD em Direitos Humanos e Democracia pelo IGC da Faculdade de Direito Coimbra; Doutor em Direito Social (PUC/SP) e Mestre em Direito Constitucional (UFPA); Idealizador-fundador e 1º presidente da Academia Brasileira de Direito da Seguridade Social (Cad. 01); Acadêmico perpétuo da Academia Paraense de Letras (Cad. 08), da Academia Paraense de Letras Jurídicas (Cad. 18) e da Academia Paranaense de Jornalismo (Cad. 29) e escritor amazônida. Contato com o escritor pelo Instagram: @oceliojcmorais.escritor

A Constituição válida, que nada valeu no Brasil

A lei mais efêmera do mundo, mas não está no Guinness World Records

Océlio de Morais

Idealizado  por um sul-africano em 1951, embora sua primeira edição tenha sido em 1955,  para registrar records mundiais comprovados, o Guinness World Records bem que poderia registrar a lei mais efêmera do Brasil. 

Procurei achar no Guinness, dentre leis relacionadas à história do Brasil, se havia  algum registro de alguma classificada como a  mais efêmera do mundo.  Não encontrei.  Mas a lei (especificamente um decreto) existiu  e, curiosamente, saiu das mãos de um monarca português da época em que o Brasil integrou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, lá no primeiro quarto do Século  XIX.

O monarca foi Dom João VI, coroado em 1818, não em Lisboa (como logicamente deveria ser), mas no Rio de Janeiro,  em decorrência do falecimento de sua mãe, Dona Maria I  Lisboa, a rainha que se refugiou no Brasil com a família real, a partir de 1808, premida pela invasão napoleônica em Portugal em 1807. 

Abrço aqui um parênteses e, antes de prosseguir com o objeto central desta crônica histórica, quero destaca um outro fato que, nem sempre a gente se dá conta, chegou a repercutir de modo indireto na minha cidade natal,  a bucólica Monte Alegre - não  a do Distrito de Villa da região Norte de Portugal, fundada em 1273). Mas, o município brasileiro localizado no baixo-amazonas, Estado do Pará, colonizado pelos portugueses como freguesia religiosa a partir de 1758, e elevada à categoria de vila de Monte Alegre, por ato de Francisco Xavier Mendonça Furtado, então administrador colonial português, ligado a  Marquês de Pombal - Sebastião José de Carvalho e Melo era o seu verdadeiro nome.

Então secretário de  Estado  de negócios estrangeiros e da guerra,  além de outras importantes funções públicas exercidas, Marquês de Pombal tornou-se o homem mais poderoso de Portugal no Reinado de Dom José I, pai  da rainha Dona Maria I Lisboa, a que mais tarde foi considerada em seu país como “Maria Louca”, por seus problemas depressivos e por ter  sido forçada a usar camisa de força,  mas que fora a primeira Rainha do Brasil colônia. 

Através de uma Carta Régia  de 1709, do rei Dom João V, os jesuítas (religiosos da Companhia de Jesus) iniciaram a evangelização dos índios nas “terras do Rio Jari”, no que hoje denominamos de Amazônia: à época, estava incluída a então freguesia de São Francisco de Assis, depois denominada Vila de Monte  Alegre.

Com a morte do monarca José I, e  já no reinado  da rainha Maria I Lisboa, o então todo-poderoso Marquês de Pombal começa a perder espaço político, mas ainda assim é o seu maior inimigo político.  A Companhia de Jesus era um dos “pomos da discórdia” política.

Conhecida por sua religiosidade, e adepta do catolicismo,  a rainha Maria I  apoiava as ações religiosas dos jesuítas em Portugal e nas colônias portuguesas.

Marquês de Pombal, no reinado de José I, acusou os jesuítas de incitar os indígenas contra as ordens do Reino e decretou a  sua expulsão de Portugal e  cassou as licenças para evangelizar no Brasil colônia.  Exilou alguns e mandou decapitar outros religiosos tidos como seus inimigos políticos. 

 E, assim, os jesuítas também foram expulsos de minha cidade  natal pelas forças militares de Mendonça Furtado, aliado e protegido  de Marquês de Pombal.

Curiosamente,  o todo- poderoso Marquês de Pombal nos últimos anos de sua vida, recebeu tratamento humilhante da Coroa Portuguesa:  teve  todos os cargos retirados pela Rainha Maria I Lisboa,  que também lhe impôs duas outras medidas restritivas: uma, que mantivesse  sempre a uma distância de pelo menos 20 milhas dela; outra, o Marquês era obrigado por decreto a afastar-se de casa.

Livros de história também relatam que a primeira rainha do Brasil incentivou o levantamento científico da Amazônia  e a criação de Jardins Botânicos nas principais cidades brasileiras de então.  Vem dali a herança à botânica de seu bisneto: na Província do Pará, o   museu Paraense Emílio Goeldi foi fundado em 1866, no reinado de Dom Pedro II, o primeiro rei genuinamente brasileiro (bisneto de Dona Maria I Lisboa), nascido no Paço de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, a  2 de dezembro de 1825.

Fecho o Parênteses e volto ao tema central da crônica: a lei mais efêmera do mundo

Quando realizei meus estudos de pós-doutorado em Direitos Humanos e Democracia no Instituto Gentium Conimbrigae da Faculdade de Direito de Coimbra, nos anos de 2015 e 2016,  foi possível confirmar esse fato histórico dentre as relíquias da bonita biblioteca Joanina (do Século XVIII)  daquela Faculdade, que integra o complexo da Universidade de Coimbra, uma das mais antigas do mundo, fundada em 1290 peor Dom Dinis, através do Decreto Real “Scientiae thesaurus mirabilis” , reconhecido no mesmo ano pelo Pontífice Nocolau IV, franciscano que dirigiu a Igreja Católica no período de 22.2.1288 a 4.4.1292. Aliás, faço esse registro no meu livro  “Proteção dos Direitos Humanos Fundamentais e a Justiça Constitucional brasileira”, editado pela Lumens Juris, Rio de Janeiro, em 2017, p. 8.

No Brasil, Dom João VI,   filho e sucessor da Rainha Maria I Lisboa - depois de  receber uma comissão de políticos que reclamavam a falta de uma Constituição ao Brasil - no dia  21 de abril de 1821 editou um Decreto Real que adotava e mandava aplicar integralmente a Constituição Hespanhola de 1812 , produzida nas Cortes de Cádis, com vigência limitada, até que fosse concluída a elaboração da Constituição Política  da Monarquia Portuguesa:

- “(...) prestárão á Constituição hespanhola,  e que fizerão subir a minha real presença, para ficar valendo interinamente a dita Constituição hespanhola desde a data do presente decreto até a installação da Constituição em que trabalhão as côrtes actuaes de Lisboa (...) que de hoje em diante se fique estricta e litteralmente observando neste reino do Brasil a mencionada Constituição deliberada e decidída pelas côrtes de Lisboa. Palacio da Boa-Vista, aos 21 de Abril de 1821.” (SIC).

Mas, cedendo a pressões políticas no Brasil e das Cortes de Lisboa, no dia seguinte (22 de abril), dom João VI anulou o decreto:

- “(...) hei por bem determinar, decretar e declarar por nulo todo o ato feito ontem; e que o governo provisório fica até a chegada da Constituição portuguesa, seja da forma que determina o outro decreto, e instruções que mando publicar com a mesma data deste, que meu filho o príncipe real há de cumprir, e sustentar até chegar a mencionada Constituição portuguesa. Palácio da Boa-vista, aos vinte e dois de abril de mil oitocentos e vinte e um. Rei” (sic).

Assim, o Decreto Real de 21 de Abril de 1821, que vigeu no Brasil na noite do dia 21 e madrugada do dia 22, muito provavelmente é a lei mais efêmera do mundo,  por isso mesmo merecia entrar para o livro dos recordes históricos legislativos.

De qualquer modo, ainda que não tenha produzido nenhum efeito jurídico à ordem interna, a Constituição Hespanhola de Cadis (1812), por um dia, foi a primeira Constituição histórica do Brasil.

A segunda Constituição de proveniência externa aplicada ao Brasil foi a  Constituição Política da Monarquia Portuguesa, concluída em 1821 e promulgada em 1822, a  denominada Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves,  este, então proclamado em 16 de dezembro de 1815,  ainda no reinado  da rainha Maria I Lisboa. 

Essa Constituição eleva o Brasil colônia à categoria de Reino: “Artigo 20º: A Nação Portuguesa é a união de todos os Portugueses de ambos os hemisférios. O seu território forma o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (..)”

Acerca desta Constituição, os constitucionalistas divergem quanto a aplicação ao Brasil.  De um lado, atrelados ao fato de que fora promulgada no dia 23 de setembro de 1822, argumenta-se que não teve vigência  no Brasil, considerando a declaração da independência no dia 7 de setembro de 1822.

Por outro lado, os defensores de sua aplicação ao Brasil argumentam que somente  em 1825, através do Tratado do Rio de Janeiro, a Corte Portuguesa reconheceu a independência do Brasil.

São razoáveis as duas posições. Contudo, a constituinte  de 1823, convocada por  Dom Pedro I,  em 1823, não concluiu a Constituição por causa dos insuperáveis dissensos políticos entre as forças a favor e contra o Imperador, fato que levou a outorga da “Constituição do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824” ou “Carta de Lei de 25 de Março de 1824”

Bem a rigor,  a Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (de 23 de setembro de 1822) teve vigência no Brasil até 23 de março de 1824.

Com um ano e seis meses de vigência no Brasil, a exógena Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves é a segunda Constituição com duração mais curta na história constitucional brasileira. 

Para a produção legislativa interna brasileira registra apenas 7 constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). Mas, somam-se à história constitucional brasileira as duas de proveniência externa: a Constituição de Cádiz, de 1812, e a Constituição do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, de 23 de setembro de 1822.

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