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A chave é a simplicidade

Océlio de Morais

Nem vou referir à  sua condição Divina, na qual acredito. Mas Jesus – o ser humano mais virtuoso que a humanidade já conheceu – definitivamente  não deu trégua às pessoas corruptas de seu tempo. E ainda deixou advertência às gerações  futuras, quanto aos efeitos nefastos da corrupção, mas também deu a chave de como evitá-la. 

 Isso é claramente identificado na Bíblia Sagrada, nas tantas parábolas que falam dos novos valores e princípios cristãos, qos quais abominam as injustiças, as discriminações e as hipocrisias dos homens das leis e dos fariseus.

Vou lembrar apenas uma abominação, narrada pelos evangelistas Marcos, Mateus e  Lucas: aquela  que Jesus direta e corajosamente chama de hipócritas  os “mestres da lei e  os fariseus”.

Eram hipócritas porque, disse Jesus segundo os evangelistas, “devoram as casas das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações" e porque eram aliados do corrupto sistema político de então, dominado pelos romanos. 

O verbo 'devorar' é usado no sentido de destruir ou de se apropriar das propriedades ou bens (“casas das viúvas”), isto é, das pessoas humildes, aquelas  sem recursos financeiros e sem poder econômico.

Quando fez essa declaração, Jesus sabia que estava  mexendo num ninho de “cabatatu”, para usar  - como liberdade literária, uma expressão de minha infância  colona. A “cabatatu” é uma mais venenosa dentre todos os outros tipos de vespas selvagens da Amazônia brasileira. 

Por outro modo, Jesus sabia que estava  enfrentando os homens mais poderosos do sistema político e religioso de seu tempo. Contudo, sendo homem sábio, integralmente virtuoso e Divino por completude, Jesus identificou  que os  homens corruptos gostavam de ser servidos  em tudo e por todos, e jamais   dedicaram sua vida a servir.

Então, o Mestre dos Mestre lançou um dos maiores desafios que podia ser feito àqueles poderosos:  aprender a servir, o que representava (e ainda representa)  ser humilde e a  viver na simplicidade . Ou seja, abdicar das coisas que corrompem a natureza do bem servir para, então, através da humildade, dominar o vício da hipocrisia – vício ali tomado como sinônimo de corrupção das virtudes. 

Um parêntesis:  nos meus tempos de seminarista,  ouvia com muita inquietação juvenil as homilias  das missas e orações diárias, essa desafiadora recomendação de Jesus:  “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos!” (Mc: 9,35).

Sentia-me verdadeiramente desafiado.  E inquieto porque não tinha a menor ideia do alcance e da profundidade daquela mensagem, e se me acompanharia ou por toda a minha vida.  E quando da oração do Pai Nosso – naquele trecho “(..) venha a nós o vosso Reino, seja feita a vossa vontade  assim na terra como no Céu (...) – vinha a ideia abdicação da vontade própria para a aceitação do desígnio divino.

A inquietação também porque eu sentia uma espécie de desafio para adotar valores capazes de dominar as minhas fraquezas, substituindo-as pelo desafio em ser útil , pelo menos como um bom aprendiz do tempo. 

Nos dias atuais de minha maturidade, compreendo que  aquela mensagem de Jesus pode ser traduzida ,como princípios (da  simplicidade e  da humildade) ou como virtudes coerentes,  que melhor podem densificar  a mensagem que “seja o último de todos (...), o servo de todos”. Fecho o parêntesis. 

A desafiadora mensagem  – para aqueles que  seguiam  o Mestre  das parábolas Divinas naquele tempo de magnífica espiritualidade terrena  e aos que ainda hoje desejam segui-lo –  com toda liberdade interpretativa possível, mas sem correr o risco da  deturpação teológica, assim pode ser compreendida:  a grande virtude da vida está em aprender servir como condição inafastável da humildade e da simplicidade,  e não propriamente em  ser servido. 

Recordemos: Jesus cutucou a ferida aberta dos mestres das leis, dos fariseus e do sistema romano. Eles viviam no círculo vicioso da hipocrisia (desvirtudes), bebedouro ou fonte  da corrupção.  

Então aquela realidade, na eterna mensagem de Jesus, somente poderá ser modificada se, e quando, o indivíduo adotar para a vida a beleza virtuosa  da simplicidade e da humildade: ser “servo de todos”. 

E para os que não entenderam o significado da simplicidade, Jesus  respondeu com outra  belíssima metáfora – a metáfora da humildade equivalente à pureza  dócil das crianças – a qual pode ser encontrada em Mateus 18:3-5,10

— “E disse Jesus: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos tornardes como crianças, de modo algum entrareis no reino dos céus. Portanto, aquele que se humilhar como esta criança, esse é o maior no reino dos céus. E quem receber uma criança, tal como esta, em meu nome, a mim me recebe” 

Por outras palavras, Jesus deixou claro que a simplicidade e a humildade, como virtudes,  são antídotos contra a corrupção  das coisas. Logo, a simplicidade e a pureza das crianças  – porque são virtudes teológicas máximas e essenciais  para entrar nos Reinos dos Céus – também podem ser tidas como muralhas contra a corrupção da natureza humana. 

E àqueles que não compreenderam  como poderia, um homem poderoso, “se humilhar como  uma criança “ ou como– o homem poderoso na sua condição de importância entre os homens –  ser o último dentre  todos e servir a todos,  o Mestre mostrou que não era retórico ,   mas, ao revés, viveu o que pregava.

Jesus servia com alegria e humildade. Fazia como era para ser feito com a mais sincera simplicidade humana: lavou e beijou os pés de seus discípulos. Querem maior gesto de simplicidade e humildade do que este? 

 Pediu ao Pai  – numa das vezes que a amargura da vida lhe assustou – para “afastar o cálice” (o peso da responsabilidade de corrigir a humanidade desvirtuada); mas, logo em seguida, disse: “faça-se a Tua vontade”.

A chave então é essa  para viver com singeleza de alma:    a  simplicidade e a humildade – como virtudes –, sempre estão à espera da escolha honesta, também como prevenção à corrupção da natureza   humana.

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ATENÇÃO: Em  observância à Lei  9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.;  Instagram: oceliojcmoraisescritor

Océlio de Morais