Quanto mais eu leio e reflito sobre as virtudes e desvirtudes humanas, mais convencido eu fico que o caminho mais sensato para uma vida mais serena e feliz é a simplicidade e a humildade de espírito como marcas indeléveis de uma personalidade.
Verdadeiramente eu estou convencido de que a maior nobreza e, portanto, beleza humana não nasce e nem tem por morada o espírito arrogante, prepotente, avarento, ganancioso, invejoso e egoísta; mas, sim, a nobreza humana nasce, se desenvolve e se perpetua no espírito humilde, caridoso e solidário.
O arrogante, o ganancioso, o invejoso, o avarento e o egoísta revelam um tipo de espírito materialista desequilibrado, torturado, atormentado e sofredor, muito embora o indivíduo nem sempre perceba que essas consequências ou efeitos decorrem exatamente do seu afastamento (ou rejeição) às virtudes da simplicidade e da humildade.
Aquele que vive segundo as virtudes da simplicidade e da humildade – qualquer que seja a sua condição socioeconômica, origem racial ou opção espiritual – seguramente consegue ter e viver em maior harmonia consigo mesmo e com os seus semelhantes, o que representa que tem maior domínio sobre os seus próprios vícios, possui um sublime respeito e solidariedade pela vida humana.
Por certo que – e isso sempre é importante lembrar – serão cada vez maiores os desafios espalhados pelo caminho para aquele que dedica sua vida à elevação da humildade e da simplicidade como valores honrosos, visto que são muitas as tentações traiçoeiras e corruptivas da conduta e da alma humana.
As tentações das virtudes — observe isso com bastante calma – estão cada vez mais incisivas, agressivas e violadoras da dignidade humana.
Observem-se os desvalores da sociedade líquida, a qual tem dentre seus objetivos a manipulação ideológica das consciências, das mentes e dos corações: desconstruir e despersonificar a natureza humana são defendidos como critérios de igualização de direitos, mas ignora-se que a prevalência da dignidade humana não possui cores ideológicas.
Então, também também tenho a sensação de que – diante das narrativas fluídas desta sociedade líquida que perigosamente tenta nos absorver e dominar – a simplicidade e a humildade não têm sido as virtudes priorizadas nas narrativas ideológicas materialistas: ideologias destrutivas das boas virtudes da vida são disseminadas com narrativas persuasivas, elegendo como valores aquilo que – a toda evidência – verdadeiramente não é uma virtude.
O desmonte proposital que vem sendo imposto pela sociedade líquida, com e para a massificação de outras narrativas ideológicas, tem colocado muita coisa de cabeça para baixo: o correto parece está errado e o errado está certo; a eticidade comportamental é ignorada; a natureza das coisas é apenas uma questão de ideologia; um bebê na vida uterina é apenas um “monte de células” descartável, enquanto que ovos ou filhotinhos de animais irracionais devem ser salvos.
Coloque-se numa balança de ouro de valor da vida, de um lado, ovos e filhotinhos de animais e, de outro, o bebê humano em formação no ventre da mãe. E indague-se com profundo e sensível espírito humano, à luz do princípio da prevalência da dignidade humana, qual o valor que se dá à vida humana? Qual o valor da vida humana diante de ideologias disruptivas?
Ariano Vilar Suassuna (1927-214) – um filósofo humanista que integrou a Academia Brasileira de Letras e deixou um legado extraordinário sobre o valor do ser humano – disse, certa vez numa conferência numa Faculdade em são Paulo, que identificava na sociedade ideias superficiais e perigosas acerca do valor dado à vida humana.
Se bem observado e refletido, narrativas ideológicas disruptivas do valor da vida e da dignidade humana indicam precisamente aquilo que Suassuna advertiu, ou seja, as narrativas ideológicas disruptivas são ideias superficiais e perigosas em face do sublime valor da vida humana – narrativas que são identificáveis no ambiente da sociedade líquida.
Sob a perspectiva filosófica e teológica, pode-se dizer que tais ideias estão e são perigosamente divorciadas das visões que defendem a vida segundo as virtudes da humildade e da simplicidade valorativas da dignidade humana.
Sêneca (“O Moço”), nas 124 cartas que escreveu ao seu especial amigo Lucílio (um administrador rormano) – dentre elas, “Sobre o rubor da modéstia” (Carta XI), “Sobre a lealdade à virtude” (XXXVII), “Sobre Valores” (XLII), “Sobre Baiae e a moral” (LI) “Sobre as falhas do Espírito” (LIII), “sobre a virtude como refúgio” (LXXIV), “Sobre vários aspectos da virtude” (LXVI) —, disse-lhe na carta “Sobre a virtude como refúgio:
– “ Você tem, naturalmente, razão meu caro Lucílio, ao considerar que o principal meio de alcançar a vida feliz consiste em acreditar que o único bem está naquilo que é honroso.”
Bem, essa é uma verdade milenar e por outros milênios precisará continuar: “o único bem está naquilo que é honroso”, portanto, absolutamente indispensável “para alcançar a vida feliz”.
O que tem de honroso, como único bem, as ideologias que criam narrativas relativizadoras da vida e da dignidade humana?
Portanto, Sêneca não via nenhum estado de felicidade fora da honradez. A perspectiva da honradez como condição da realização humana, que é um estado de felicidade espiritual, para Sêneca, decorria da sabedoria para bem escolher as virtudes do espírito ao invés dos vícios ou falhas do espírito humano.
A avareza, a injúria, a inveja e o egoísmo são um mal em si e, nesta condição desvirtuada, despertam e alimentam dois outros defeitos ou vícios na pessoa: a prepotência e a arrogância .
Nessa dicotomia – valores e vícios do espírito humano – resta evidente que as ideologias fluídas da sociedade líquida encontram mais facilidades para a sua projeção na mente e no coração daquele que não se dedica à compreensão do sublime significado da vida humana com a sua dignidade necessária. Pensemos bem sobre isso!
Para finalizar, então, deixo uma pergunta para reflexão do leitor: haveria outros caminhos mais seguros para escolher as virtudes do espírito do que a simplicidade e a humildade como práticas cotidianas ?
-----------------------
ATENÇÃO: Em observância à Lei 9.610/98, todas as crônicas, artigos e ensaios desta coluna podem ser utilizados para fins estritamente acadêmicos, desde que citado o autor, na seguinte forma: MORAIS, O.J.C.; Instagram: oceliojcmoraisescritor