Insatisfações populares, que geram revoltas, revoluções e, até, guerras, figuram em todas as fases da história universal, em maiores ou menores dimensões, tanto nas causas, quanto na produção de vítimas e consequências, nem sempre as objetivadas. Agora mesmo, novas insurreições refletem a eterna turbulência no Oriente Médio, enquanto, em nossas vizinhanças, venezuelanos, chilenos e bolivianos se digladiam nas ruas e podem contaminar os arredores. Encarnam o traço comum dos protestos contra as onipresentes desigualdades econômicas e exclusões sociais, ao que se juntam os agitadores e oportunistas de sempre.
Entre tantas insurreições de variados calibres, a “Revolução Francesa”continua sendo a rainha de todas, com a queda da Bastilha, simbolizando o fim dos privilégios das elites, e nas profundas e continuadas mudanças modeladoras da civilização, sintetizadas no lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade” a universalização dos direitos sociais e das liberdades individuais. Também sagraram a separação entre os poderes legislativo, executivo e judiciário e suas limitações recíprocas, projetadas por Aristóteles, em “A Política”, Locke, no “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”, e na teoria exposta no "Espírito das Leis" por Montesquieu.
Entre tantas revoltas, guerrilhas e movimentos de protesto no Brasil, como a “Balaiada” e a “Sabinada”, a história conferiu destaque particular à “Cabanagem”, nos anos 1835/1840, ao mesmo tempo em que no sul eclodia a “Guerra dos Farrapos”, também conhecida como “Revolução Farroupilha, pelo caráter estritamente regionalista, pleiteando a independência do império. Quase 200 anos depois, ainda parece latente o espírito daqueles revolucionários, quando novos revoltados constatam que, apesar do tempo, pouco ou nada melhorou, mantendo presente o passado de brasileiros de segunda classe.
Enquanto os sulistas lutavam pela emancipação da província de São Pedro do Rio Grande do Sul, a “Cabanagem” mobilizava índios e ribeirinhos pela autonomia política e administrativa do “Grão-Pará”, ocupante de dois terços do território brasileiro, hoje dividido entre os Estados do Pará, Amazonas, Amapá, Roraima e Rondônia. Insuflados pelos aproveitadores das manifestações para também reclamar participação nas ações político-administrativas, os pobres reclamavam da exclusão social e econômica, submetidos a sobreviverem em condições péssimas das cabanas ribeirinhas, por isso "cabanos" e a denominação do movimento.
Tantas razões, 180 anos depois continuam motivos de revoltas, ainda aumentando a exploração, em benefício de outras regiões, dos incontáveis recursos naturais do outrora “Grão Pará”. Fracassaram, ou foram malversados e corrompidos, programas e projetos teoricamente destinados ao desenvolvimento regional, a exemplo da transformação do Banco de Crédito da Borracha em Banco da Amazônia, para gerenciar os recursos provindos dos incentivos fiscais admitidos pela SPEVEA/SUDAM. Hidrelétricas e mineração têm sido geradores de miséria e violência, em lugar do progresso e riquezas que deveriam promover.
Nestes primeiros dias de 2020, começaram a ser desfraldadas novas bandeiras pela independência da região, sopradas pelos ventos do desmatamento e a persistente contradição entre um povo pobre numa região rica, sem que os recursos hídricos, minerais, vegetais e a biodiversidade resultem em progresso e desenvolvimento regional.. Recém fundada Associação está proclamando uma “República dos Povos da Amazônia”, espécie de "Cabanagem" de hoje, novo grito de independência, do descaso governamental e da inoperância da classe política, pretendendo figurar entre as maiores economias mundiais. Será?