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Milhões ao mar

Linomar Bahia

Frequentemente nos deparamos com o quanto pode valer a pena voltar no tempo e refletir sobre adágios como o de que recordar é viver, ensinando uma das formas de evitar dissabores e prejuízos diante do imponderável. Quando foram anunciadas as obras de contenção e urbanização da orla conhecida como “pracinha” em Salinópolis, me vieram à lembrança testemunhos do quanto as marés poderiam avançar sobre o continente, destruindo tudo que de natural e artificial possa obstruir o seu curso.

Existem memórias e documentos, inclusive estudos geológicos e oceanográficos de órgãos oficiais sobre o movimento das águas, registrando os fenômenos a que o litoral está sujeito, o confirmados cada vez que as águas dos mares assumem maiores proporções nas alturas das ondas e na força com que se deslocam, especialmente nos meses de março setembro de cada ano, constituindo os efeitos astronômicos conhecidos como “equinócio”, em que o sol está mais próximo da linha do Equador.

Entretanto, as conveniências políticas e eleitoreiras em detrimento das indispensáveis preocupações técnicas e, até, científicos, indicam a falta de cuidados com a verdade de que o mar sempre procura retomar os espaços que lhe são usurpados pelas mãos do homem, a exemplo do que se tem visto em várias localidades litorâneas no país e mundo afora. Ao longo do tempo, muros de arrimo e avenidas têm sido tragados pelas águas no nordeste e em orlas gaúchas, restando apenas escombros de invasores.

Em Salinópolis e no Mosqueiro, para ficarmos nas regiões praianas mais vistosas do Estado, as águas já avançaram em mais de mil metros no Maçarico, deixando apenas nas lembranças da época edificações como o bar e restaurante “Telhadão” obrigando manter floresta num manguezal como barreira, embora privando a visão do mar. No Atalaia, as marés vem empurrando as barracas para as dunas, enquanto no lado do “Farol Velho” mansões tentam resistir com muralhas solapadas a cada batida das ondas.

Não foi diferente na “pracinha”, onde foram consumidos 56 milhões de reais em muro de arrimo, espaços de esportes e convivência. Tivessem consultado registros fotográficos de época, testemunhos de antigos frequentadores e a memória do que era há algum tempo, teriam sabido que a beirada já foi há mais de meio quilômetro, consumidos pelas marés em uma semana, processo de que o “Barlavento”, na curva do hotel “Salinópolis” foi a última vítima, arrancado aos pedaços pelas batidas das ondas.

Como recordar é viver, repórter de “A Província do Pará” nos anos 1950 e, posteriormente, frequentador do balneário, tenho testemunhado essa disputa entre o homem e a natureza, em que os humanos sempre serão perdedores. Acaso estejam para concretizar as obras anunciadas também na orla do “Atalaia”, será de bom alvitre fazer a pesquisa padrão sobre o comportamento das marés salinenses nos últimos 100 anos, evitando jogar novamente milhões literalmente ao mar.

 

Linomar Bahia é jornalista e escritor

Linomar Bahia