MENU

BUSCA

Faltariam prisões para todos

Linomar Bahia

A prisão de um depoente na CPI da pandemia, sob a acusação de mentir, avultou o clima de desconfiança generalizada que sempre dominou a humanidade. Poucas vezes a mentira esteve exposta como nos últimos tempos, refletindo quanto o ser humano é capaz de utilizar os instrumentos da comunicação e da linguagem, para enganar o próximo e, até, a si mesmo. Pesquisadores e historiadores catalogam centenas de frases e promessas que se revelariam mentirosas, por isso, entre grandes males e nenhum bem, têm sido capazes de provocar até guerras, confrontar etnias, conflituar crenças e desmistificar situações e seus protagonistas.

Incontáveis frases e até livros classificam as mentiras entre piedosas, maldosas, defensivas e compulsivas. Em 2013, o poeta Affonso Romano de Sant`Anna publicou os fragmentos "A implosão da mentira", em protesto contra algo que considerava ser mentira inventada, iniciando por dizer "Mentiram-me. Mentiram-me ontem / e hoje mentem novamente. / Mentem de corpo e alma, completamente. / E mentem de maneira tão pungente / que acho que mentem sinceramente. / Mentem, sobretudo, impune / mente. / Não mentem tristes. Alegremente mentem. / Mentem tão nacional/mente / Mentem, sobretudo, impune/mente. (...)"

Ensina a sabedoria popular que a mentira costuma ter pernas curtas. Algumas, parecem sequer terem pernas, não havendo como precisar quando, nem o porquê da primeira mentira. Registros a ela se referem quanto à origem da palavra no século XI no latim “mentiri”, ou “dizer falsidades” e sua relação com o “mens” de “mente”. Segundo Robert Feldman, da Universidade do Massachusetts, o ser humano conta ao menos três mentiras a cada 10 minutos. Houve épocas em que compromissos não precisavam ser escritos, nem assinaturas reconhecidas para serem respeitados, bastando a palavra, representada por um “fio de bigode”. 

Teria origem no “bi gott”, ou “por Deus”, utilizada por antigos alemães para confirmar a palavra nos juramentos. Ensina a psicologia da mentira que mentirosos sistemáticos acabam acreditando nas próprias mentiras a ponto de não distinguirem mentiras de verdades Tem prevalecido no Brasil a máxima difundida durante a Segunda Guerra Mundial pelo ministro da Informação “hitlerista” Joseph Goebbels, segundo a qual “uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade”. Ou, como disse o dramaturgo britânico Oscar Wilde, “pouca sinceridade é uma coisa perigosa, e muita sinceridade é absolutamente fatal”, o que pode definir derrota ou vitória, como visto.

O uso da mentira, conta com defensores e críticos de todos os tempos. Para Aristóteles, por exemplo, o “risco dos mentirosos é não serem acreditados quando dizem a verdade”. Enquanto o homem comum pode ser desmentido pelas técnicas de interrogatórios, pelo polígrafo “detector de mentiras” ou pelo soro da verdade e microexpressões faciais, aos políticos resta a frase do estadista francês Charles de Gaulle, ele mesmo acusado de muitas mentiras antes e durante o governo: “Como um político nunca acredita no que diz, fica surpreso quando os outros acreditam.” Acaso se levem os mentirosos ao trato prisional, faltariam prisões para todos.

Linomar Bahia