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Bem brasileira

Linomar Bahia

Entre as virtudes e defeitos que caracterizam os brasileiros, sobressai a resistência às turbulências da vida nacional, não raro até ironizando as desditas e sofrimentos. Tantos desafios e superações foram cristalizados por Euclides da Cunha nos anos 1900, ao retratar em “Os sertões” o ambiente hostil das escaramuças que marcaram a “Guerra de Canudos”, inspirando a frase lapidar de que “O Sertanejo é, antes de tudo, um forte”, transformada num símbolo do estado de espírito e da capacidade bem brasileira de nunca desistir, nutrindo há mais de 500 anos a esperança de que tudo vai melhorar.

Para muitos, esse comportamento, que por vezes parece estar deixando de ser pacífico, caracteriza uma passividade responsável pela tolerância aos desmandos oficiais, ensejando rótulos como o de que aqui “tudo acaba em samba” e cantar os versos de “deixa a vida me levar”. Seria razão para Personalidades mundiais relutarem em vir ao Brasil, temendo situações inadequadas, como serem levadas a uma escola de samba, uma visita a favelas e dar o pontapé inicial de um Fla X Flu no Maracanã, a que não escaparam Fank Sinatra, os Papas, Michael Jackson nem o príncipe britânico Harry.

Por conta de uma cultura até romântica, surpreendem e causam estupefação os acontecimentos violentos como os que vêm ocorrendo nas últimas semanas e teve sua explosão na invasão e depredação das sedes dos três Poderes constitucionais da República em Brasília. Constituiu um “ponto fora da curva” do comportamento ordeiro do brasileiro, a exemplo de outras manifestações pacíficas de milhares nas ruas, explicada pelo descontentamento ao que vem acontecendo e certa pressão a que o povo está exposto, provocando a instabilidade institucional e social vivida no país.

Protestos episódicos têm revelado que paciência tem limites e gotas d´água podem ter razões para transbordarem o copo. Apenas nestes 30 anos de aparente normalidade, tivemos a marcha pela redemocratização e diretas-já em 1985, pelo impeachment de Fernando Collor em 1992, as grandes concentrações de 2013 e os mais de três milhões nas ruas em 2016 na esteira da lava-jato. Para refrescar memórias convenientemente fracas, em 6 de outubro de 2006 o MLST–Movimento pela Liberação dos Sem Terra invadiu e depredou o Congresso Nacional, resultando em 497 presos e 41 feridos.

Clamores populares costumam refletir revolta dos povos contra governantes, dos quais o maior exemplo universal, nas causas e repercussões, foram os movimentos que resultaram na queda da Bastilha, em 14 de julho de 1789, estopim da Revolução Francesa e determinante das mudanças políticas, jurídicas e sociais que o mundo tem experimentado. Também refletem a falência da representatividade popular para exercer o poder constitucional que emana do povo. Quando os mandatários se omitem, ”a voz rouca das ruas” procura ser audível aos ouvidos que se fazem de moucos.

 

Linomar Bahia é jornalista e escritor

Linomar Bahia