Os brasileiros voltaram a assistir, em transmissões ao vivo e a cores, mais alguns capítulos do triste espetáculo da vida pública nacional. Personagens de sempre, interpretando os próprios papéis ou encarnando seus ancestrais e patrocinadores, encenaram a persistente realidade brasileira, com o epílogo apresentando o ponto final na “lava-jato”. Ficaram para trás os avanços, que pareciam apontarem para novos tempos de moralidade e bons costumes, animados com as revelações e prisões iniciadas com os processos do “mensalão” e multiplicados nos bilhões do “petróleo”. Mas, pelo novamente acontecido, na última semana, só pareciam.
Há muito a que refletir sobre as origens, os acontecimentos e o destino a que o país parece condenado. Quantos viram cenas lacrimosas na mudança de presidência da Câmara dos Deputados, devem ter se perguntado quais, afinal, seriam as verdadeiras razões e autenticidade das lágrimas. Assim como já houve procurador geral da República, apelidado de “engavetador geral”, por tanto engavetar ações contrárias aos interesses que poderiam se condenados, a frustração das pretensões re-eleitorais e, na fragorosa derrota do candidato que apoiava, revelaram ter o país se livrado de alguém cognominado como o “engavetador parlamentar”.
Vem à lembrança o quanto as letras do Hino Nacional, escritas por Joaquim Osório Duque Estrada nos anos 1800, viriam a deixar de ser a bela obra poética, para se transformar numa triste previsão de um país fadado a estar “deitado eternamente em berço esplêndido”, permanecendo esse “gigante adormecido”. Já houve quem, em vez disso, o Brasil é um grande molusco, que se move lentamente, exibindo a transparência das entranhas recheadas de coisas abomináveis. A professora baiana Tania Maria Lopes Torres, mestrada em Estudos Latino-americanos pela Universidade do Texas em Austin, publicou trabalho que disseca essa configuração.
Segundo ela, o hino descreve o Brasil em um estado de letargia e sonolência, um gigante adormecido que, quando desperta, se move-se com lentidão. O adjetivo “impávido”, “por força de seu prefixo negativo, soa mais como um reforço da própria inabilidade do tal gigante”. Destaca a análise, também, que os mecanismos ideológicos, refletidos nos hinos cívicos do Brasil poderiam estar sendo utilizados com a finalidade precípua de induzir o cidadão brasileiro à passividade política, assim reforçando os mitos de autoctonia, nacionalismo e igualdade” e promovendo a reprodução de uma elite social e manutenção do “status quo”.
Nada mais parecido com o que pode ser interpretado como ilação do poema que costumamos cantar e ouvir, com justo amor cívico, mas, tanto quanto os autores do hino e quem os institucionalizou, nos anos 1890 e 1922, longe de se imaginar que suas estrofes poderiam esconder os lamentáveis fatos que estariam contidos em suas letras. Poetas e trovadores exprimem a beleza de suas criações, com as mais lindas palavras que possam, emprestando a elas as conotações e sentidos que traduzam estados de espírito e paixões enrustidas. Quaisquer semelhanças sempre serão meras coincidências com fatos e atos de qualquer natureza, como no caso.