Nosso Rei do futebol, Edson Arantes do Nascimento, mais conhecido como Pelé, rendeu muitos frutos em sua brilhante carreira, acumulando um patrimônio milionário em vida. E, com sua morte, a sua herança milionária rende muito conteúdo midiático sobre o tema das sucessões. Ao todo São 9 disputantes da herança até agora, incluindo sua esposa Marcia Aoki.
O principal imbróglio é sobre titularidade de Marcia Aoki como herdeira. Isso ocorre porque o casal contraiu matrimônio após os 70 anos de Pelé, e por conta de sua idade a lei impõe a separação de bens, conforme ar. 1641, II do CC; e a incomunicabilidade do recebimento de herança, conforme os ditames do art. 1829, caput do CC. Ou seja, pela ordem sucessão legítima (aquele que se dá por força da lei), Marcia não é herdeira, e sairia deste casamento sem qualquer direito ao patrimônio do falecido marido.
Ocorre que Pelé, provavelmente, deveria ter uma boa banca de advogados, que lhe respaldou para planejar a divisão de sua herança antes de seu falecimento, através de um testamento. E assim, o Rei dispôs sua vontade, contemplando a esposa com 30% de seu patrimônio.
No entanto, uma dúvida recorrente dá um grande nó na cabeça da população em geral: como um homem de setenta anos, proibido de escolher seu regime de bens, poderia fazer um testamento, que em tese burlaria a lei, ao destinar patrimônio para a esposa afastada da comunicação patrimonial?
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O primeiro fato a ser sabido é que o artigo que impõe o regime de separação obrigatória é amplamente rechaçado pela doutrina e pelos Tribunais Superiores, sendo taxado de inconstitucional por privar uma pessoa, com capacidade civil, de dispor livremente de seus bens. Inclusive a vigência deste artigo traz uma interpretação errônea de que após 70 anos, idosos não podem dispor de seus bens sem a autorização dos filhos, e acreditem isso é real, e muitos filhos se valem disso para proibir seus pais idosos de vender seu patrimônio, já para garantir seu quinhão hereditário. Um absurdo!
Mas a verdade, é que o citado artigo infraconstitucional é específico para comunicabilidade matrimonial, não relativizando a capacidade civil do idoso, e muito menos proibindo-o de realizar negócios jurídicos diversos, sobretudo, o testamento. Vale ressaltar que o direito à propriedade é absoluto, exclusivo e perpétuo, permanecendo até que algum ato modificativo ou extintivo de direito ressoe sobre o bem. O direito à propriedade é fundamental da pessoa humana. Nesta linha, não há como o artigo 1.641 incidir como elemento que invalide o testamento.
Vale ressaltar que para realizar testamento não existe idade limite, sendo requerido pela lei a capacidade plena com discernimento para tomada de decisão. Por isso, respeitada a legítima (parte destinada obrigatoriamente aos herdeiros necessários, neste caso, os filhos de Pelé), o Rei poderia dispor de metade seu patrimônio em benefício de qualquer pessoa que quisesse (vide artigo 1801 do CC).
Desta forma, não havendo vício de forma e de vontade, Marcia apesar de não ser considerada herdeira automática, poderá sim ser declarada herdeira testamentária e receber a herança do falecido marido.