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Custos ocultos e além dos preços?

Beto Faro

Nasci e cresci na roça. Sempre fui um trabalhador e produtor rural e até hoje estou na atividade. Portanto, me sinto vacinado contra alguma liderança ruralista de extrema direita que na ausência de argumentos resolva desqualificar a abordagem aqui apresentada por considerá-la conspiratória ao agronegócio. Definitivamente não é o caso. 

Diferencio a maioria dos produtores rurais, independente do porte, que no exercício da atividade, desempenham função estratégica para a sociedade brasileira, mas que, pelo óbvio, reconhecem os problemas graves do padrão dominante de agricultura que ameaçam a segurança alimentar, a própria atividade e o planeta. Destoando da maioria, há uma gama de mega fazendeiros para os quais interessa, apenas, a maximização dos seus ganhos financeiros, imediatos e a qualquer custo. Porém, ainda que minoritários, tais lideranças, particularmente no Congresso, oportunizam o desempenho econômico que o setor passou a ter com a desindustrialização, para tentarem subjugar o governo e a sociedade com vistas a impor a supremacia dos seus interesses seccionais.

Aconselharia essa fração ruralista ultra ideologizada, que consultem recente estudo publicado pela FAO, que pela primeira vez mediu o que erroneamente chamou de “custos ocultos” do sistema agroalimentar mundial. No contexto do documento clássico anual O Estado da Alimentação e da Agricultura a FAO divulgou estudo intitulado Além do Preço. O estudo abrangeu 154 países e demonstrou que os “custos ocultos” globais dos sistemas agroalimentares, nos planos, social, ambiental e da saúde pública, atingiram 12,7 trilhões de dólares em 2020, o equivalente a 10% do PIB global.

A FAO destaca que não obstante os evidentes benefícios à sociedade do sistema agroalimentar, esses sistemas são insustentáveis. Contribuem para as alterações climáticas e para a degradação dos recursos naturais, ao mesmo tempo, não proporcionam dietas saudáveis.

Com o estudo, a FAO afirma cumprir com a sua missão de indicar as mudanças que se impõem nesse modelo visando a sustentabilidade e a garantia da segurança alimentar da população mundial. Diz o estudo que com toda a nossa existência dependendo de apenas um planeta e sistemas agroalimentares frágeis, precisamos agir com cuidado, mas muito rápido.

O estudo não detalhou os custos sociais por país, mas esses ‘custos’ variam conforme o estágio de desenvolvimento das nações, chegando ao correspondente a 50% de todos os ‘custos ocultos’ quantificados em países de baixo rendimento.

Porém, queremos destacar os custos ambientais e para a saúde pública no Brasil. Em ambos os casos, o Brasil se destaca internacionalmente. No caso dos custos à saúde, ainda que o Brasil lidere, há alguma proximidade desses ‘custos’ no mundo. No entanto, impressiona a liderança brasileira nos custos ambientais. Vejam o quadro abaixo:

PAÍS CUSTO NA SAÚDE (Proporção do PIB) CUSTO EM MEIO AMBIENTE (Proporção no PIB)
Brasil 9% 7%
EUA 6% 1%
China 8% 2%
Argentina 6% 3%
França 4% 1%
Alemanha 7% 1%

Na tradição escapista, a FAO transforma ‘efeitos colaterais’ do modelo em “custos ocultos”. Não são custos no sentido posto porque não são bancados pelos fazendeiros, mas pela sociedade. E não são ocultos, pois demais evidentes. Da mesma forma, não procede o título Além dos Preços; o correto seria Além das Subvenções. E, no caso brasileiro, os dados da FAO confirmam que não são as subvenções financeiras os principais fatores que viabilizam a competitividade do agronegócio, mas sim os passivos ambientais e sociais. Enfim, todos que lidamos com a agricultura devemos levar a sério o que diz o estudo da FAO: que essas estimativas são um ponto de partida crucial para compreender a amplitude dos desafios de sustentabilidade nos nossos sistemas agroalimentares.

Beto Faro