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Corda que puxa a berlinda e alimenta a fé no Círio de Nazaré

O Liberal

Há dois anos que o hábito de acordar às duas da manhã para antecipar o café e sair descalço pelas ruas de Belém a caminho da grande procissão do domingo está suspenso para o servidor público Alexandre Vieira Junior. O horário precoce era típico de quem, como ele, escolhia a corda para expressar a devoção a Nossa Senhora. Um mar de gente responsável por uma das cenas mais impressionantes durante a romaria.

“Comecei com uma promessa. Pedi pela saúde da minha mãe. Ela foi curada à época, em 2015, mas desde então sigo devoto de Nossa Senhora na corda. É uma sensação indescritível de amor e gratidão”, explica Alexandre. Há quem se solidarize com esses devotos também durante a procissão, distribuindo água e amenizando o calor exaustivo ao molhar o rosto de quem agoniza, mas não abre mão do sacrifício fundado na fé. 

A corda é um dos elementos mais emblemáticos do Círio de Nazaré. Compõe o grupo de símbolos que remetem à materialidade da fé por meio graças ora alcançadas, ora desejadas. O ato de sacrifício extremo é também motivo de críticas por muitos setores da sociedade em razão das centenas de atendimentos médicos durante a grande procissão de domingo.

Você sabia

O uso da corda no Círio teve início no século XIX. Em 1855, a berlinda, que era levada por um carro de bois, precisou ser puxada pelos próprios fieis com o uso de uma corda para tirar o veículo de um atoleiro. No ano seguinte, o ato se repetiu não apenas pelo risco de atoleiros - à época, o Círio acontecia no período da tarde - mas também pela proximidade que o gesto havia criado entre romeiros e a imagem de Nossa Senhora de Nazaré. Em 1926, a corda chegou a ser retirada da procissão pela organização do Círio, mas foi recolocada na romaria cinco anos depois.

Símbolo envolto em polêmica

Todos os anos, a diretoria da Festa de Nazaré realiza campanhas de conscientização para que a corda não seja cortada antes dos momentos finais da festa. Agentes das forças de segurança, inclusive, realizam ações preventivas para evitar a presença de instrumentos cortantes e pontiagudos durante a procissão. Mas sempre há quem rompa a corda ainda no meio da avenida Nazaré, no bairro homônimo. Há quem acuse os precipitados de assim agir com a única e exclusiva intenção de comercializar pedaços da corda, coisa que é possível de se confirmar em espaços como o Ver-o-Peso, onde a venda de pedaços da artefato é feito à luz do dia e sem restrições nos dias posteriores à grande procissão do domingo. Mas a distribuição de pedaços da corda não é condenada pelos organizadores do evento. E sim a precipitação do corte. Autoridades eclesiásticas, inclusive o próprio Papa, também são presenteados com pedaços da corda.

Instrumento de força e fé

A corda usada durante as procissões da trasladação e da procissão de domingo é de sisal, tem 800 metros de comprimento e 50 milímetros de diâmetro. A corda chega em Belém dividida em duas partes. Os primeiros 400 metros são usados no sábado à noite, no trajeto que vai do Colégio Gentil Bittencourt até a Catedral de Belém, a Igreja da Sé. Os outros 400 metros cercam a berlinda na procissão de domingo. Cada uma dessas partes já vem adaptada às estações de metal que auxiliam no traslado das berlindas durante as romarias. O material é exposto em espaços públicos nos dias que antecedem as procissões para que muitos fieis tenham acesso ao artefato antes das romarias. Em 2007, a corda usada no Círio de Nazaré ficou exposta no Salão Nobre do Senado Federal, em Brasília (DF).

1ª Edição