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Vigia ou Belém: onde começou o Círio de Nazaré?

Nélio Palheta / Especial para O Liberal

O Círio nunca deixou de ser minha pauta desde 1972, quando entrei na Redação do jornal A Província do Pará. E veio de Vigia, na bagagem de repórter. Certo ano, questionei ao antropólogo Heraldo Maués - a quem sempre recorri como fonte: “- A repetição das narrativas e histórias do Círio já cansaram”. E ele: “- É com a repetição das narrativas que se estabelecem e se consolidam as tradições”.

Não sou historiador, mas sendo jornalista acumulei dados e fatos, checados e editados anualmente. Entre todas as lacunas da história, uma carece de pesquisa para se equacionar a polêmica que põe Vigia e Belém nos extremos da Corda, quando a questão é a origem da devoção e o pioneirismo da procissão que chamamos de Círio.

Um mês atrás, andaram dizendo que o Círio de Vigia foi “criado” em 1697 por João Bettendorff, que morreu em Belém em 1698, um ano depois de ter escrito a notícia sobre a devoção nazarena em Vigia. A informação origina-se, equivocadamente, da pequena narrativa do jesuíta João Bettendorff (1625 – 1698), na “Crônica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”, publicada em 1910. Há 324 anos, “o que de melhor tinha na Vila da Vigia era a imagem milagrosa de Nossa Senhora de Nazaré” – disse o jesuíta fundador de Santarém.

Não conheço data mais recuada sobre a devoção dos paraenses. Se não podemos duvidar da narrativa acerca do primeiro Círio de Belém, em 1700, não se pode ignorar o registro de Bettendorff sobre o que ele veio a saber de parte do padre José Ferreira, que de passagem pela Vigia, a caminho de Maracanã, vira na Vigia,  ladainhas e romarias em louvor a Nossa Senhor de Nazaré. O relato virou história definitiva, apesar de espremida em 12,5 linhas do portentoso livro da Companhia. Igual registro faz outro cronista da Companhia de Jesus, Serafim Leite, em obra similar, de 1940, sem dúvida bebendo na mesma fonte.  

Na linha do tempo, o Círio da Vigia seria mais antigo que o de Belém. E o episódio do “achado da Santa” – lenda ou fato -  é parte mais sensível dessa história: ocorreu na cidade do Salgado ou na capital? 

Na Vigia, prevalece a narrativa popular que concede ao local a primazia da devoção. Na crônica popular, o Círio é consequência, se aquelas romarias que o jesuíta viu de perto em 1697 forem consideradas as mais antigas. O Padre José Ferreira não criou o Círio da Vigia, e nem disse que seria como os cortejos de romeiros, com tochas e círios acesos, que demandavam à Freguesia de Nazaré, em Portugal, onde os marinheiros, antes de atravessar o Mar Tenebroso, recolhiam-se para pedir as bênçãos da Virgem. Ali embarcavam imagens da Santa, para as devoções em alto mar?

Quantas “imagens milagrosas” ficaram pelo caminho, depois de desembarcarem nas terras do Grão- Pará? É provável que o fracassado colonizador da Vigia, Jorge Gomes de Alemó, tenha trazido a devoção para a beira do Taubapará (hoje Guajará Mirim).

Há registro do Círio de Vigia, sem dúvida, como hoje acontece, em 1750. O de Belém já estava consolidado. Se os vigienses copiaram a Corda, é certo que, ali, entretanto, a devoção já estava estabelecida há mais tempo.

Hoje, tanto numa quanto noutra cidade, o Círio segue o formato imposto pela pandemia de Covid. E é bem capaz de que, no futuro, assim como foi a contingência da Corda no Círio de Belém, motos e biques façam parte das duas romarias. E tudo será história a ser repetida para que a tradição continue. E nesse caso, o pioneirismo será de Vigia, um mês antes de Belém.

 

Nélio Palheta é jornalista, secretário de Cultura do município de Vigia

neliopalheta@gmail.com

 

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