MENU

BUSCA

Restauro da Berlinda traduz espiritualidade do cuidado no Círio 2025

Zelo com símbolo sacralizado expressa respeito à natureza e dialoga com o tema “Maria, Mãe e Rainha de toda a criação” no ano em que Belém se prepara para a COP 30

Gabriel da Mota

Em um galpão reservado na Estação Padre Luciano Brambilla, no Centro Social de Nazaré, o restauro da berlinda principal do Círio de Nazaré, ocorrido entre os meses de agosto e setembro, não se assemelhava a um canteiro de obras. O que se viu ali foi silêncio, respeito e precisão. Para o historiador e cientista da religião Márcio Neco, o ambiente comunica mais do que técnica. “Por ser um objeto que passou por uma sacralização, o ambiente não é o de uma construção qualquer. Impera nele um cuidado, uma reserva das pessoas, porque têm a noção de que se trata de algo sagrado”, descreve.

A reforma deste ano foi considerada a mais significativa da última década. Mais do que um reparo de rotina, a intervenção resgatou detalhes originais da peça, como os entalhes, a pintura com folhas de ouro e a iluminação interna. “Durante os últimos dez anos, fizemos apenas reparos e retoques na berlinda. Nunca um restauro completo. Para nós, foi um presente maravilhoso”, afirma Antônio Sousa, coordenador do Círio 2025.

Segundo Neco, o que esteve em curso foi mais do que uma reforma estética. “Esse instrumento que é a berlinda precisa ter uma melhor apreciação por parte dos católicos. Ela estará nas vésperas e na grande procissão do Círio, e todos os recursos utilizados são para que o grande número de devotos possa contemplar, através dela, a imagem de Nossa Senhora de Nazaré”, afirma.

Zelo como expressão de fé

Esse gesto, para o pesquisador, nasce de um sentimento coletivo: o amor popular pelas coisas de Maria. “Não é só a berlinda. Outros símbolos do Círio também expressam esse zelo ao extremo — o manto, a decoração, os arranjos. Tudo isso acontece porque há um grande apreço pelas coisas de Nossa Senhora”, observa.

O cuidado, nesse contexto, não é apenas técnico. “As pessoas sabem que se trata de algo sagrado. O ambiente do restauro comunica silêncio, e o cuidado não é apenas físico, mas espiritual. É feito numa postura de oração”, pontua.

Em tempos em que o Círio 2025 acontece no mesmo ano da COP 30, o tema “Maria, Mãe e Rainha de toda a criação” se reflete nos próprios gestos da festa. “Quando nós abordamos o tema criação, natureza, meio ambiente, um dos primeiros gatilhos a serem ativados é o zelo. E contemplar a reforma da berlinda é também contemplar as maravilhas de Deus. Ele se manifesta na arte, na piedade popular, mas também através da criação, da fauna, da flora, da grande riqueza e capacidade hídrica que tem a Amazônia”, reflete.

Contemplar a criação

Neco ressalta que a espiritualidade mariana sempre apontou para a simplicidade e o cuidado com a vida. “Embora a berlinda seja uma carruagem — algo historicamente ligado à nobreza — o que ela comunica na nossa Amazônia é outra coisa: a realeza da humildade, da ternura, da proteção. Maria passa pelas ruas não como quem ostenta, mas como quem acolhe”, afirma.

Essa conexão com a natureza também se expressa nas flores que decoram o andor. “Todos os anos, as flores da Amazônia ajudam a transmitir a beleza da criação. As rosas, os lírios, as cores e formas manifestam o quanto as criações de Deus são belas e perfeitas. E Maria, sendo mãe da criação, merece estar rodeada dessas expressões da natureza”, destaca.

Para o historiador, a restauração da berlinda em 2025 é mais um capítulo da pedagogia do cuidado que o Círio ensina sem palavras. “As coisas sagradas vão muito além dos objetos. Elas nos educam para o zelo. E a berlinda, nesse sentido, é como o nosso próprio coração: um lugar onde Maria pode habitar. Que seja também um sinal de como devemos cuidar da criação que Deus nos confiou”, conclui.