Hospitalidade paraense transforma casa em ponto de encontro no Círio
Na avenida Nazaré, a poucos metros da Basílica Santuário, dona Darcy recebe até 180 pessoas em um almoço regado a maniçoba, pato no tucupi e acolhimento
O Círio é sinônimo de fé, mas também de reencontros familiares e mesas fartas. Em Belém, salas de casa se transformam em espaços para dormir, panelas gigantes preparam litros de maniçoba e o cheiro do tucupi convida os mais próximos a adentrarem. Entre tantas histórias de hospitalidade, destaca-se a da aposentada Darcy Paixão, 83 anos, que há mais de quatro décadas mora na avenida Nazaré, a poucos metros da Basílica Santuário — ponto de saída da Trasladação e chegada da grande procissão.
No domingo do Círio, sua casa se torna um ponto de encontro que parece não ter fim. “É cento e poucas pessoas, 170, 180, conforme o ano. Vem parente do meu marido, a minha família de Maracanã, conhecidos, amigos, vizinhos, gente de Bragança, Barcarena, Salvaterra... Todo mundo aparece”, descreve. Alguns chegam no sábado para dormir, espalhados em colchões pelo chão, outros desembarcam já no domingo de manhã, direto para a mesa de almoço.
A maratona da cozinha
Se a vivência religiosa do Círio para dona Darcy começa na Trasladação — cuja missa ela faz questão de assistir presencialmente no aglomerado pátio do Colégio Gentil Bittencourt no sábado à tarde —, a preparação da comensalidade inicia muito antes: na segunda-feira da semana festiva. São 10 patos (encomendados desde agosto), 40 litros de tucupi, 80 maços de jambu e 14 quilos de maniçoba “com tudo dentro”, como ela mesma diz. Além do cardápio tradicional, tem ainda um vatapá feito com 4 quilos de camarão, caruru, peru, porco, arroz e farofa.
“Eu que faço tudo. Só tenho ajudante para cortar e organizar. Começo cedo e só paro quando tudo está pronto. No domingo, a mesa fica cheia até à noite, ninguém fica com fome. Se precisar, dorme no chão, em colchão espalhado. O importante é estar junto”, explica.
Tradição herdada
A prática de reunir a família no Círio vem desde os tempos em que Darcy organizava as festas junto do marido, com quem foi casada por 50 anos. Ele faleceu há uma década, mas a rotina não mudou.
“Eu não dormia de noite, ficava acordada fazendo a comida. De manhã já estava tudo pronto, e meio-dia a casa cheia. Hoje continuo do mesmo jeito, só a saudade dele é que não passa”, lembra.
Os laços construídos na época permanecem vivos: até amigos antigos do marido, como o mecânico de confiança da família, continuam comparecendo. “Aqui nunca foi casa de silêncio, eu não gosto de ficar só. Para mim, isso é o Círio”, reforça.
Estrutura adaptada
A residência simples, de três quartos, ganha ares de salão comunitário. “Uns 20 dormem aqui: filhos, netos, sobrinhos. O resto vem só para o almoço. O corredor da casa fica lotado. Já pedi quatro mesas e 16 cadeiras para este ano”, conta. A lista de convidados nunca é fechada. “Sempre chega alguém a mais, mas ninguém sai sem comer”, garante.
Mais do que um encontro social, para Darcy o almoço é expressão das dádivas recebidas pela Padroeira dos paraenses. Devota assídua, ela frequenta a Basílica Santuário todas as terças-feiras. “Para mim, [Nossa Senhora] é a minha felicidade. Deus o livre sem Ela. Tudo que eu peço para Ela, eu alcanço”, conta, emocionada.
Ao falar sobre a expectativa para este ano, ela sorri:
“Acho que vai dar mais gente. Mas vamos botar todo mundo aqui”.
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