Decoração floral do Círio exige cálculo minucioso e sensibilidade espiritual
Flores naturais são escolhidas com base na resistência, no horário das romarias e na harmonia com o Manto
“Para mim, é como uma filha trabalhando para a mãe”, resume Cláudia Hage, integrante da diretoria de decoração do Círio 2025, ao descrever o sentimento de preparar os espaços sagrados da maior manifestação religiosa do Brasil. À frente da logística floral da festa, ela integra uma equipe que, todos os anos, transforma altares, romarias e carros em jardins vivos que acolhem a presença da Virgem de Nazaré.
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Com o tema de 2025 exaltando Maria como Mãe e Rainha de toda a criação, o trabalho da equipe ganha uma camada simbólica ainda mais forte. Cláudia explica que, por serem produtos naturais, todas as flores já estão inseridas no tema. “A criação está em cada haste que usamos”, afirma. Para ela, é fundamental também harmonizar as cores com o manto da Imagem Peregrina. “A gente sempre procura ter esse cuidado, harmonizar as decorações com o manto daquele ano”, diz.
Horário, duração e temperatura
Cada procissão tem um planejamento específico. “Levamos em conta três coisas: o horário, a duração e o local”, explica Cláudia. No caso das celebrações litúrgicas — como as da Basílica, da Catedral, da Capela do Colégio Gentil ou da Praça Santuário — o tamanho da área e o tempo de permanência da Imagem determinam o tipo de flor usada e a densidade da montagem. “Missas diurnas pedem flores mais resistentes ao calor. À noite, a preocupação é com a visibilidade e a iluminação”, detalha.
Já nas romarias, o desafio é ainda maior. O Traslado para Ananindeua e Marituba, por exemplo, pode durar até 12 horas.
“Nós temos que verificar quais flores vão poder suportar todo esse tempo”, afirma. Em romarias mais curtas, como a dos corredores ou o Recírio, há maior liberdade na escolha das espécies. “Podem ser flores que não precisam ser tão resistentes, porque o percurso é mais curto”, explica.
Ela destaca também que cada estrutura pede um arranjo diferente. “A Berlinda que vai em cima dos veículos motorizados tem um tamanho menor do que a da Trasladação, ou do andor usado na romaria das crianças. Isso influencia na quantidade e no tipo de flor”, aponta.
Quantidade necessária
A contagem é feita por hastes — e os números variam bastante. “Quando a flor é maior, ocupa mais volume, então diminuímos a quantidade de hastes. Quando é menor, precisa de mais hastes”, diz Cláudia. Em média, a diretoria de decoração utiliza 80 mil hastes em cada edição do Círio.
Algumas flores são praticamente obrigatórias. “Lírios, rosas e orquídeas, eu diria para você”, aponta. O lírio, segundo Cláudia, tem o simbolismo do “lírio mimoso”, ligado à pureza. Já a rosa combina com a feminilidade da imagem de Nossa Senhora. “A rosa representa muito”, destaca. E as orquídeas, geralmente plantadas, são escolhidas por sua durabilidade. “Elas duram mais”, afirma.
Um altar para cada encontro
Boa parte das flores vem de fora do Pará. “A maioria vem de São Paulo, de Holambra, que é um polo produtivo. Algumas vêm de Fortaleza. Muito poucas vêm da nossa região. Não por vontade própria, mas porque a produção local não supre as necessidades”, relata Cláudia. Ela conta que, ao longo dos anos, a produção local diminuiu, e o abastecimento passou a depender de fornecedores de outros estados.
Durante a quadra nazarena, a Praça Santuário se transforma em espaço de acolhimento para quem não consegue acompanhar as grandes romarias. “É um espaço muito importante de visitação dos romeiros, dos turistas, que vêm ao longo da festividade ver Nossa Senhora, fazer seus pedidos, prestar homenagens, agradecimentos”, descreve. Muitos romeiros, diz ela, trazem flores como oferta ou levam consigo uma flor da decoração depois das procissões. “Isso também acontece”, comenta.
Iluminação ajustada
Neste ano, a iluminação interna da Berlinda também foi repensada como parte do planejamento floral. Cláudia lembra que, por ser uma romaria noturna, a Trasladação depende muito de boa iluminação para valorizar os detalhes. “As ruas de Belém são muito escuras. Quando passam por pontos escuros, prejudica”, observa. “Eu já vi umas fotos muito bonitas, mas varia muito de acordo com a posição”, completa.
A expectativa é que, com os ajustes na iluminação interna da Berlinda, os arranjos possam ser melhor apreciados.“A ideia da iluminação é que ela valorize, principalmente, a Trasladação”, projeta.
Mais do que estética, Cláudia enxerga na decoração floral uma linguagem espiritual.
“O objetivo do design floral é esse: fazer essa ligação com a terra e com o céu. Uma imagem agradável, bonita, que encante as pessoas, que elas se sintam tocadas”, resume.
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