Círio de Nazaré serve de referência para Belém se preparar para a COP 30, avalia urbanista da UFPA
Para o professor Juliano Pamplona Ximenes Ponte, festa religiosa revela experiência logística e hospitalidade que podem ser aplicadas à conferência climática; desafio é adaptar para público internacional e discutir soluções urbanas
O Círio de Nazaré, maior evento religioso do Brasil, mobiliza cerca de dois milhões de pessoas todos os anos em Belém. Essa vivência, segundo o arquiteto e urbanista Juliano Pamplona Ximenes Ponte, professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), é um trunfo para a cidade na preparação para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30), marcada para novembro.
“Avalio que haja algumas semelhanças neste aspecto da logística, da hospitalidade, da estrutura urbanística para receber um dado evento”, afirma. “Mas vemos que, no Círio, dadas as medidas usuais de interdição e desvio de tráfego, de mobilização de profissionais da segurança pública, da saúde e da assistência social, bem como do turismo, a cidade funciona. Efervescente, turbulenta, mas funciona”.
O professor lembra que Belém já recebeu outros eventos de grande porte, como o Fórum Social Mundial de 2009.
“Belém tem, portanto, certo lastro para receber grandes contingentes populacionais por motivos transitórios, temporários, e funcionar; ter transporte, trânsito que flua, saneamento, onde existe, operante, comércio e serviços dando apoio”.
Hospitalidade como diferencial
Um aspecto cultural do Círio, que pode inspirar a COP 30, é a hospitalidade característica da população paraense. “Há contingente razoável de pessoas que vêm a Belém anualmente para o Círio e que se hospedam na casa de parentes e de amigos, na maior parte das vezes sem pagar diárias”, explica. Para a conferência climática, no entanto, o público será diferente, exigindo preparo extra da rede hoteleira e de serviços.
Operações que já dão certo
Entre as ações testadas anualmente, Juliano destaca as operações de preparação da cidade. “A ‘operação Círio’ era iniciada logo após as férias de julho para que houvesse três meses de limpeza urbana, dragagem de canais, manutenção em geral na pavimentação e na drenagem da cidade. Essas programações devem ser mantidas e intensificadas, tanto porque já tem chovido de modo atípico para o mês de julho e de agosto quanto pelo fato de que teremos Círio e um mês depois teremos COP 30”, relata.
O planejamento do transporte é outro ponto citado.
“Os órgãos da área precisam recuperar sua capacidade de planejamento e não tratar o transporte como se fosse questão de polícia. Precisam dimensionar o tráfego, monitorar, planejar antecipadamente as rotas, os volumes, os tempos de deslocamento e as adequações infraestruturais necessárias”, avalia.
Desafios urbanos e legado
Mesmo reconhecendo avanços — como o BRT Metropolitano, que integrará Belém, Ananindeua, Marituba e distritos como Icoaraci —, o urbanista aponta que a COP será oportunidade para discutir soluções duradouras para a cidade. “Temos uma série de deficiências urbanísticas, no saneamento básico, nos transportes públicos e na dimensão habitacional, por termos 59% de nossa população vivendo em áreas precárias, favelizadas. São fatos”, diz.
Para ele, parte dessas questões já vem sendo tratada, mas exigirá continuidade e integração.
“Cerca de ¾ da população amazônica vive em cidades atualmente. Discutir problemas e soluções a partir, e dentro, de uma metrópole da Amazônia brasileira é estar no meio do problema”, afirma.
Cidade em transformação
A chegada da conferência, na visão do professor, pode impulsionar mudanças estruturais e ampliar a visibilidade de Belém no cenário global. “A enorme densidade cultural da cidade e da região são trunfos inegáveis para quem nos visita”, resume. “A hospitalidade é um aspecto a ser explorado quando da vinda da COP 30 a Belém”.
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