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Tragédias como a de Suzano exigem respostas complexas, diz psicanalista

Atenção à saúde mental dos jovens deve ser prioridade em estabelecimentos de ensino no país

Victor Furtado


A psicanalista Elizabeth Samuel Levy, professora e coordenadora da Clínica de Psicologia da Universidade da Amazônia, é uma entre muitos especialistas em comportamento que reforça: não existe uma explicação simples para o massacre ocorrido na manhã da última quarta-feira (13), em Suzano (SP).

Não há como estabelecer relação imediata, por exemplo, com o fato dos jovens atiradores, que mataram oito pessoas e feriram mais dez, serem aficcionados de videogames violentos, como sugeriu o vice-presidente Hamilton Mourão em entrevista horas após o ocorrido. O discurso de Mourão reverberou nas redes sociais digitais e dividiu opiniões, mas não foram poucos os que concordaram com as colocações feitas pelo vice-presidente.

Esta não foi a única suposição levantada durante a quarta-feira para explicar a desgraça ocorrida na escola Raul Brasil e que comoveu o país. Nenhuma delas que abarque por completo a complexidade do caso, como explica a psicanalista nesta entrevista concedida à Redação Integrada de O Liberal. Na conversa, ela fala sobre bullying, atenção à saúde mental dos jovens, a necessidade de orientação e acompanhamento constante, além da prevenção ao uso de armas por meio de políticas públicas. 

Confira a íntegra do bate-papo:

Em quase todos os casos semelhantes como os da tragédia em Suzano há relatos de bullying sofrido pelos assassinos. O quanto o bullying é perigoso na formação de pessoas que podem desenvolver comportamentos violentos e assassinos?

Sim, o bullying é algo muito perigoso, pois pode ser traumático e fomenta no sujeito uma sensação de revolta e vingança. Muitas vezes leva o individuo à depressão e ao suicídio.

Por que escolas são sempre os alvos? É justamente por esse ambiente de competição e exclusão? Como os estabelecimentos de ensino poderiam evitar problemas como esses?

As escolas devem estar atentas para o comportamento dos alunos. Mesmo sendo difícil de detectar, penso que deve haver palestras constantes e orientação sobre o tema do bullying nas escolas. Alunos problemáticos, alunos expulsos e excluídos são potencialmente mais suscetíveis a comportamentos antissociais.

O que essa tragédia em Suzano e a forma como os eventos de desenrolaram revelam sobre os jovens atiradores?

Precisam existir políticas públicas de prevenção ao uso de armas, além de melhores dispositivos de segurança nas escolas. Campanhas educativas junto às famílias também podem ser mais eficazes.

O que as pessoas precisam saber sobre possíveis sintomas desses atiradores antes de se manifestarem - muitas vezes com ódio - nas redes sociais?

Penso que pais e responsáveis deveriam ter mais acesso às postagens dos filhos nas redes sociais, pois no caso desses atiradores de Suzano, um deles estava com revólver e roupa de exterminador. Isso quer dizer que ele já pensava em atos violentos, como se tivesse avisando algo. É importante para pais e educadores dar mais atenção não somente às redes sociais, mas ao isolamento de alguns jovens imersos em games e solitários por horas no quarto, no computador, vivendo um mundo virtual, sem contato social real.

Esses ataques parecem sempre aleatórios. Não há vítimas específicas. Isso também demonstra algo sobre esse comportamento? É ódio e a vontade de provocar o maior estrago possível?

Sim. É como se a motivação fosse mais importante que a vida deles. Não importa quem morra, mas a causa pela qual estão lutando. Parece um ataque terrorista, que visa uma causa, mesmo que para isso perca a vida. O ódio é um sentimento extremo, que normalmente está ligado à paranoia. O sujeito se sente menor e como se o mundo o odiasse. Assim projeta no outro suas frustrações e tenta colocar no outro as causas de sua revolta.

Sempre que um evento trágico como o de Suzano ocorre, há um discurso quase imediato para culpar videogames violentos. É um discurso simplista para uma situação complexa?

Sim. Penso que existem fatores diversos nessas situações. A utilização de games é um dos aspectos que podem influenciar, mas tem motivações preponderantes relacionadas ao tipo de estrutura de personalidade dos envolvidos, como traços perversos, psicopáticos e outros transtornos que precisariam ser analisados. Qualquer mídia pode exercer certa influência no sujeito. Porém, precisa haver um start para a identificação do sujeito com determinadas condutas.

 
 

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