Estudo comprova ação complementar da melatonina à imunidade
Pesquisa da USP mostra que dormir de forma regular pode ajudar o organismo a enfrentar a covid-19
Desde o início da pandemia da covid-19, além de buscar vacinas, a ciência sente a necessidade de obter novas drogas e testar outros elementos que ajudem no combate ao novo coronavírus (Síndrome Respiratória Aguda Grave - Sars-Cov-2), que já matou 1.968.343 milhões e infectou 91.838.572 milhões de pessoas no mundo. No Pará, foram 7.349 mortas e 305.012 infectadas.
Uma das novas drogas testadas agora é a melatonina produzida no pulmão. A pesquisa aponta que ela atua como barreira contra o SARS-CoV-2, impedindo a expressão de genes codificadores de proteínas de células, como os macrófagos residentes, presentes no nariz e nos alvéolos pulmonares, e as epiteliais, que revestem os alvéolos pulmonares e são portas de entrada do vírus.
Assim, ainda segundo o estudo, o hormônio impossibilita a infecção dessas células pelo vírus e, consequentemente, a ativação do sistema imunológico, permitindo que o novo coronavírus permaneça por alguns dias no trato respiratório e fique livre para encontrar outros hospedeiros.
Pulmão
O otorrinolaringologista e especialista em Medicina do Sono José Roberto Capeloni explica que a melatonina é um hormônio potente e indutor do sono, e alguns órgãos, como o pulmão, também têm a capacidade de produzi-lo em situações de estresse ou para melhorar a performance celular de alguns órgãos.
"É um hormônio produzido pela glândula pineal. Ele é excretado no período em que começa a diminuir a luminosidade do dia, na alternância do dia e noite, principalmente por volta das 18h e 18h30, dependendo do lugar em que se vive. Ele depende dessa informação feita em nível de quiasma óptico, que informa quando está escuro e quando chega a noite. Com essa informação a pineal começa a produzir a melatonina, que é um potente indutor do sono. Quando ela alcança seu pico, sua excreção máxima provoca aptidão ao sono". Esse processo se dá num ciclo circadiano, ou seja, que depende das 24 horas do dia e da luminosidade, a alternância entre o claro e o escuro. "Daí o começo da produção desse hormônio", explica o otorrinolaringologista.
A melatonina atua como neuromodulador, que é um processo que influencia a sinapse neuronal para deixá-la mais rápida e eficiente. Além disso, favorece as mudanças da temperatura corporal, melhora a performance dos neurônios e deixa o organismo em aptidão para o sono. "Isso faz com que haja um estágio de relaxamento provocando a necessidade de deitar e dormir e durante à noite provoca a estabilização do sono".
Hábitos
Ainda segundo ele, todas as pessoas produzem melatonina. Porém, Capeloni destaca que muitas delas tendem a não aproveitá-la adequadamente, pois não deixam com que essa expressão do hormônio seja efetiva, a partir do momento em que elas não fazem a higiene adequada do nosso sono e estimulam o quiasma óptico com luminosidade. O quiasma óptico é uma estrutura cerebral na qual as fibras dos nervos ópticos são parcialmente cruzadas. Ou seja, é uma região do cérebro que atua como uma junção entre o nervo óptico do olho direito e o nervo óptico do olho esquerdo.
José Roberto Capeloni, especialista em Medicina do Sono, afirma que estímulos luminosos podem prejudicar a produção de hormônio. (Fotos: Arquivo Pessoal)"A maioria das pessoas tende a querer trabalhar à noite, usar celulares, tablets e computadores. Ou mantém muita luminosidade nas casas, que é mais intensa a partir do led. Isso provoca a diminuição de expressão desse hormônio no organismo, tendo impacto negativo no sono diário", alerta Capeloni, coordenador do Ambulatório do Sono do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza (HUBFS), do Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Pará (UFPA)/Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
O otorrinolaringologista esclarece que as pessoas cegas também produzem a melatonina, mas, como elas não têm a estimulação visual do claro e do escuro, a produção é feita de forma incorreta. No entanto, "é possível fazer a reposição da melatonina no horário correto, duas ou três horas antes dela dormir e esperar a ação delas, e favorecer o sono, para corrigir que a pessoa não avance as fases do sono e não durma cada vez mais tarde, o que chamamos de 'sono de livre curso'", explica o especialista em Medicina do Sono.
Ciclos de sono precisam ser uniformes
Quem tem dificuldades de sono e quer produzir mais melatonina precisa fazer o que orienta o médico do sono: ter horário certo de dormir e acordar; boa alimentação e atividade física não ultrapassando de quatro a seis horas antes de dormir, porque isso vai interferir no biometabolismo e na aceleração dele. Bem como fazer com que o ambiente de dormir seja adequado, o quarto realmente seja escuro e consiga temperatura adequada, não muito fria nem muito quente, para que, a partir do momento em que o hormônio seja excretado, obtenha a expressão máximo, ou seja, o máximo do que já é excretado endogenamente pelo organismo.
Como o estudo da USP já comprova que a melatonina tem ação complementar à imunidade favorecendo o sono, o qual tem essa ação, o especialista afirma que os ciclos de sono regulares tendem a melhorar o sistema imunológico. "O estudo vê essa relação positiva e isso sugere que se a gente puder repor a melatonina, via aerossol ou gotas, direto no pulmão fortaleceria contra a covid-19 e qualquer vírus. É isso que vai ser feito em estudos com medicamentos e ensaios clínicos que possam provar a eficácia dessa terapêutica. Isso vai ser extremamente benéfico, porque, como já é um hormônio produzido pelo organismo, o nível de efeitos colaterais hoje na reposição é baixíssimo e até desprezível. E temos um espectro de uso na população em todas as idades muito amplo. Então, o que acontece é que o estudo fez seleção de pessoas que manifestaram de forma leve ou assintomática a covid-19 e ela teve relação direta com a produção da melatonina endógena e dela no pulmão".
José Roberto Capeloni informa que a melatonina hoje não é aprovada como medicamento pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), agência reguladora, sob a forma de autarquia de regime especial, vinculada ao Ministério da Saúde. E toda melatonina que entra no Brasil é como suplemento, como ocorre nos EUA. "No entanto, o estudo visa fazer o uso da melatonina como medicamento para ação no sistema pulmonar. Para isso, ainda serão feitos estudos e ensaios clínicos e, depois, o pateamento. Aí quem sabe daqui a pouco a gente se surpreenda com melatonina aerossol?!".
Ele esclarece que, em princípio, o suplemento não tem contraindicação formal. E pondera. "Mas, como toda droga, precisamos resguardar as pessoas que possam ter algum tipo de alergia com a administração feita em laboratório como todo medicamento. Já existem outras drogas derivadas da melatonina também sendo usadas no mercado com pouquíssimos efeitos colaterais. E existem aquelas pessoas que não terão benefício nenhum com o uso dessa droga. Mas o uso na população muito amplamente pode ser usado. Após a comprovação dos estudos, vai beneficiar para a covid-19, outras viroses e para melhorar a performance do sistema imunológico geral", reitera o otorrinolaringologista.
Pesquisa traz esperança na pandemia
Embora o estudo da USP não esteja ainda concluído, a pneumologista Lúcia Sales vê a iniciativa como uma boa novidade e traz esperança em meio à pandemia, que se estende há cerca de dez meses no Brasil, que ainda não disponibiliza vacinas existentes contra a covid-19 à população. "A pesquisa abre caminho para o desenvolvimento e descoberta de medicação contra a covid-19, pois ainda não existe medicação específica. E pode levar ao estabelecimento de pesquisa clínica nessa área".
Pneumologista Lúcia Sales esclarece que o novo coronavírus apresenta bastante "fechaduras" à entrada do vírus na célula. Porém, ele atinge vários órgãos com menos "fechaduras. (Foto: Arquivo Pessoal)Ela esclarece que o pulmão apresenta bastante "fechaduras" para a entrada do vírus na célula. Todavia, o novo coronavírus atinge outros órgãos com menos "fechaduras", como o coração e o sistema nervoso. "O pulmão é bastante atingido e o mais atingido nas formas graves da covid-19. Porém, atinge também o coração e o sistema nervoso. O problema no pulmão e quando a gravidade acontece é porque ele acaba tendo comprometimento grande de fissuras, que levam a novas infecções e mortes", afirma Sales, que atua no Hospital Universitário João de Barros Barreto, do Complexo Hospitalar da UFPA.
A especialista reforça que não há tratamento específico para a covid-19 e hoje ocorre mais como suporte dos sintomas. "Nos pacientes graves há algumas terapias, que são benéficas para alguns pacientes e não são para outros. O importante é a sociedade seguir os protocolos e cuidados habituais com a higiene, como manter a lavagem das mãos, o uso de álcool em gel e de máscara, e o distanciamento social, pois somente a vacinação vai garantir que a população atinja um grau de proteção satisfatória", enfatiza Lúcia Sales.