Após denúncias de maus-tratos, mãe perde guarda da filha, que passava por ritual de candomblé

A mãe, que trabalha como manicure, explicou que, durante a cerimônia, a menina não poderia deixar o local

Redação Integrada, com informações do UOL

Após o Conselho Tutelar de Araçatuba, no interior de São Paulo, ter recebido uma denúncia de maus-tratos e abuso sexual, uma mãe perdeu a guarda da filha de 12 anos, porque a adolescente passou por um ritual de iniciação no candomblé, que envolve raspar a cabeça dos novos adeptos. A adolescente relatou que não estava sofrendo qualquer tipo de abuso, mas, sim, passando por um ritual. A mãe, que trabalha como manicure, explicou que, durante a cerimônia, a menina não poderia deixar o local. Os nomes das duas foram suprimidos para não expor a identidade da jovem.

Como uma das denúncias foi feita pela avó da menina, que é evangélica, a defesa da família afirma que o caso é de intolerância religiosa. Junto de policiais militares, os conselheiros foram até o terreiro. Mesmo com as justificativas, mãe e filha foram levadas para a delegacia e só foram liberadas após a jovem passar por exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML), que não encontrou nenhum tipo de hematoma ou lesão. A adolescente só estava com a cabeça raspada - segundo ela, estava se tornando "filha de Iemanjá".

Nestes rituais, chamados de feitura de santo, o novo adepto fica 21 dias recluso no terreiro. Durante o retiro espiritual, recebe banhos de ervas e é exposto a fundamentos da religião. A ideia é que ele se purifique, entre em contato com o axé (que, na língua iorubá, significa "força" ou "poder") e, de acordo com a tradição, renasça conectado com valores ancestrais da crença. Raspar o cabelo é um ato sagrado e simboliza tudo isso.

Ainda que não tenham surgido novos indícios de violência ou abuso, familiares que não concordam com a religião fizeram outra denúncia. Dessa vez, registraram um boletim de ocorrência em que apontaram que a adolescente estava sendo mantida à força no terreiro e sob condições abusivas. Isso fez conselheiros tutelares e policiais irem novamente até o local. Não encontraram ninguém, pois a adolescente já estava em casa.

Os familiares não desistiram e, junto do Conselho Tutelar, denunciaram o caso à Promotoria. Alegaram que houve lesão corporal por causa do cabelo raspado. Entraram na Justiça, que transferiu a guarda para a avó materna. Há uma semana, mãe e filha só conversam por celular e se veem durante visitas curtas. Frequentadora do candomblé há dez anos, a mãe diz nunca ter visto algo parecido. "O pior de tudo é que em nenhum momento ouviram minha filha ou a mim. Simplesmente a tiraram de mim. Eu nunca a obriguei a nada, esse sempre foi o sonho dela. Ela está chorando a todo momento, me liga de dez em dez minutos querendo vir para casa", conta.

Rogério Martins Guerra, pai de santo da família, classifica a situação como lamentável. "Eu já vi perseguição, preconceito, pessoas que são agredidas e apedrejadas na rua, terreiros que são incendiados. Mas nunca algo assim. É uma tristeza profunda", diz. Para Thais Dantas, advogada do Instituto Alana, que atua em defesa de crianças e adolescentes, mecanismos institucionais não podem ser usados como instrumento de discriminação. "O Estado não pode reproduzir nenhuma prática discriminatória, seja em relação à situação familiar, ao ambiente em que essa criança está ou à etnia, especialmente quando envolve religiões de matrizes africanas", diz.

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