A arte é uma forma de expressão que vai muito além do que é exposto. É história, pensamento crítico e manifestação cultural. Pensando assim, um grupo em Belém - o Periferarte - trabalha diariamente para, além de embelezar a cidade, promover a conscientização sobre a importância da periferia da capital do Pará dentro da construção da história. As obras estão em paredes e muros espalhadas por todos os bairros, mas é na Terra Firme, berço do movimento, que a maioria delas é vista, sempre retratando o dia a dia e os elementos que o compõem.
O Periferarte - ligado ao projeto Cine Clube - atua desde 2019 com crianças e jovens, mostrando que é possível desmarginalizar a arte da periferia e promover a visibilidade da cultura popular. José Santana, mais conhecido como Santo, é artista visual e grafiteiro desde 2014. Há 2 anos, ele e mais 14 pintores fizeram uma mural na parede de uma casa localizada na passagem Trindade, no bairro da Terra Firme. A obra criada é um conjunto de componentes que retrata a rotina dos moradores da área.
“O painel é composto pela nossa visão de como é a periferia, as nossas vivências, de como a gente interpreta os signos diante da periferia, que são as palafitas, as casas mais de comunidade e os personagens que ficam em cima, que compõem a periferia, mulheres e homens pretos. Cada um [dos artistas] teve o seu papel principal, ninguém é o protagonista, todos foram os principais, foi uma construção conjunta. Acho que o graffiti é isso, todo mundo é igual, ninguém é melhor que ninguém”, explica.
Elementos da Terra Firme são usados como inspiração
As primeiras construções do bairro foram as palafitas em cima de aterros de entulhos despejados. Além disso, outro aspecto que também é visualizado no mural é a vivência do bairro, com crianças empinando pipas, etc, unindo criatividade e representatividade. “A vivência do bairro é uma construção feita também como obra do aprendizado. A gente não sabe o que vai acontecer, mas com o projeto e com a periferia, que abraça a gente, é sempre mais confortável pintar”, destaca Santo.
Isso porque, conforme relata o artista, pintar fora da comunidade é um desafio maior do que deveria ser. “A gente também pede autorização para não correr o risco de represálias, coisa que a gente não sofre quando está pintando na periferia. É muito difícil alguém ficar xingando, jogando alguma coisa, sempre agradam, oferecem água, refrigerante. Muito diferente quando a gente está em trabalho independente no centro [da cidade]. Ninguém olha, xingam, isso também é a vivência do grafite e o que a gente repassa”, diz.
Periferarte como forma de mudar o olhar sobre a periferia da capital
A estudante Aline Diniz, de 15 anos, faz parte do grupo desde 2022 e vê no trabalho desenvolvido uma chance para transformar a relação entre produção periférica e olhar marginalizado em cima disso. “O graffiti e a arte, em si, são muito vandalizados, principalmente em bairros periféricos. A pessoa jovem é tratada muito como marginal, o que vem da periferia é marginalizado. As pessoas conseguem trazer comida para dentro de casa através da arte, dessa manifestação cultural”, afirma.
Artistas fazem da capital uma galeria a céu aberto
Há 10 anos trabalhando com murais, pinturas em paredes, tetos e chãos, a artista Letícia Nunes foi uma das responsáveis pela criação da obra "O Último Rio", localizada no muro do Centro Cultural e Turístico Tancredo Neves (Centur). O painel mostra o que acontecerá quando o último rio da Amazônia secar, colocando em evidência a temática da crise climática é sentida em todos os cantos do planeta. Para ela, a arte urbana é fundamental para mostrar que a idade também é um espaço de expressão.
“O mural traz uma crítica explícita ao agronegócio e à mineração. Mas, nem só de destruição fala o mural, no canto esquerdo temos duas pessoas plantando um pé de mandioca, a planta que segundo a sabedoria indígena surgiu para matar a fome de um povo, mostrando que há resistência e esperança. Ele demorou 5 dias para ser feito, durante a Semana de Arte e Muralismo da FCP. Para a execução dessa obra pude contar com a colaboração de dois artistas incríveis: o Lucas Negrão e a Vickamiaba”, detalha Letícia.
A interação entre espaço e indivíduo é vista nos murais de Belém. Junto a isso, os artistas conseguem expor ideias, provocações e questionamentos, atingindo o público em mais quantidade de diversidade. “É sobre chamar a atenção para espaços, pessoas, contextos e narrativas. É sobre a democratização do acesso à cultura. Em relação à Belém, vejo que essa cena só tem a crescer, há muites artistes talentoses aqui, o que falta é mais oportunidade e investimento para todes”, ressalta.