Transtorno bipolar: apoio e tratamento garantem vida normal e estável
Doença que acometeu o pintor Vincent Van Gogh é cercada de mitos e desinformação, que só atrapalham o diagnóstico e o tratamento
Assim como muitas doenças da mente, o transtorno afetivo bipolar (TAB) é cercado de mitos, tabus, preconceito e desinformação. Mas quem está descobrindo a doença agora, ou quem convive com alguém sofrendo desse mal, precisa ter certeza de uma coisa: a vida de quem tem transtorno bipolar pode ser totalmente normal. Tratamento correto e apoio são dois elementos fundamentais para garantir a estabilidade.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 2,2% da população mundial sofre com a doença. Em números absolutos, significa 60 milhões de pessoas no mundo. No Brasil, são quase 2 milhões de pessoas afetadas por ano. O dia 30 de março é considerado o Dia Mundial do Transtorno Bipolar. A data é uma alusão ao aniversário do pintor Vincent Van Gogh, um dos primeiros e mais famosos diagnósticos.
O psicólogo Válber Sampaio, professor da Uninassau e conselheiro do Conselho Regional de Psicologia (CRP), explica que, na prática, o transtorno bipolar é caracterizado por dois comportamentos distintos. Um deles é o polo da euforia ou da mania. O outro é o polo depressivo.
Doença tem duas fases distintas
Diferente do que muita gente pensa, a doença não significa que a pessoa varia de comportamentos constantemente. Cada fase pode durar dias, semanas ou meses. Por isso, diagnosticar o transtorno bipolar, de fato, pode demorar. E é necessário, em alguns casos, o acompanhamento de vários profissionais e de áreas diferentes. Mas, basicamente, o acompanhamento de um psicólogo e um psiquiatra podem chegar a uma conclusão.
A fase depressiva costuma confundir bastante quem está desenvolvendo a doença e pessoas próximas. Muitas vezes se pensa que a pessoa está com depressão apenas, o que por si só já bem sério. Nesta fase, explica o psicólogo, a pessoa tem pensamentos tristes, falta de energia, desinteresse por atividades diversas e contato com pessoas e pode apresentar alterações de sono e apetite. É um momento perigoso, pois sem devido tratamento, pode levar a pensamentos suicidas.
O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito a quem está sofrendo com pensamentos suicidas. É possível conversar de forma sigilosa pelo telefone 141, pelo Skype, pelo chat do site, por e-mail... a pessoa que estiver precisando escolhe o meio que achar mais conveniente. O CVV tem atendimento 24 horas por dia. Só que é apenas uma frente de atendimento, que não exclui um tratamento médico regular.
Durante a fase maníaca, há dois comportamentos que podem ser apresentados, dependendo de cada pessoa. Um é a euforia e alegria súbitas, excessivas, que podem prejudicar o senso crítico e levar a desejos impulsivos, megalomania, energia aumentada para o desempenho de algumas atividades e dificuldades em dormir. Contudo, essa fase, diz Válber, pode levar as pessoas a mostrar irritabilidade e agressividade. É um polo que aumenta a inclinação a consumo de álcool e outras drogas.
"As intervenções profissionais são justamente para chegar na estabilidade desses comportamentos. Do contrário, a pessoa terá prejuízos em seus relacionamentos interpessoais e afetivos. O tratamento, com terapia e medicamentos, evita essas crises. Alguns indivíduos abandonam os tratamentos ao saírem da fase depressiva, com a falsa ideia de que estão bem e que a fase maníaca representa bem-estar", pontua o psicólogo e professor, para destacar que os tratamentos precisam ser seguidos rigorosamente.
Por fim, Válber recomenda que quem convive com pessoas com transtorno bipolar, sobretudo familiares, precisam ter acompanhamento psicológico também. Isso porque há casos de adoecimento de pessoas que convivem e/ou cuidam de quem sofre da doença. Todos precisam ser cuidar para saber como cuidar melhor. As famílias, diz o psicólogo, podem ajudar muito na estabilidade e recuperação de quem convive com o transtorno bipolar.
"Conheci meus limites e minhas qualidades", diz escritor e jornalista Tiago Júlio
O escritor e jornalista Tiago Júlio Martins convive, há alguns anos, com o transtorno afetivo bipolar (TAB). Com o tratamento medicamentoso e acompanhamento psicológico, diz estar bem. E garante que qualquer pessoa, que faça o tratamento corretamente, tem uma vida totalmente normal: vai poder sair, namorar, trabalhar, conversar, estudar, dormir bem, se alimentar bem, se exercitar ou fazer qualquer outra coisa que queira fazer.
A mãe de Tiago é psicóloga. Ela detectou sinais de uma possível doença da mente. A princípio, parecia depressão. Mas isso porque a primeira fase a se manifestar foi a depressiva: visão distorcida sobre si mesmo e pensamentos tristes constantes.
O diagnóstico correto só chegou quando ele teve um surto psicótico, em 2013, num episódio de mania aguda. A vergonha ou receio de falar do assunto ficou no passado, junto com o orgulho e o preconceito próprio sobre a doença. Algo que muitas vezes é o principal impeditivo de um tratamento correto.
"Eu mesmo tinha muito preconceito. Achava que era coisa de doido, que eu era mais forte que a doença. Até recentemente, fiz algo que não se deve fazer em hipótese alguma: suspender a medicação por conta própria. O diagnóstico me obrigou a me autoconhecer, saber dos meus limites, das minhas dificuldades e das minhas qualidades. Sim, das minhas qualidades. A gente precisa ser forte para superar alguns problemas relacionados à doença", relata Tiago.
Tiago reforça que o preconceito é um dos piores obstáculos no enfrentamento do transtorno afetivo bipolar. Ele chama de maléfico. Algumas pessoas, diz ele, têm o preconceito em si porque estão cercadas de preconceito.
As famílias, explica o jornalista e escritor, precisam ser as primeiras a eliminar qualquer preconceito. Em seguida, os amigos mais próximos devem dar apoio e eliminar quaisquer preconceitos e desinformações. E então, nos locais de trabalho ou estudo, formar uma rede completa de amparo.
"Assim, a pessoa tem como se sentir acolhida, ter estabilidade e pode fazer seu tratamento com segurança e forma eficaz. Com tratamento, a pessoa pode ter uma vida plenamente normal e produtiva. Claro, tem altos e baixos, mas hoje em dia me recupero muito mais rápido quando estou mal", comenta o jornalista e escritor.
Tiago colocou no livro Cabeça Bipolar várias experiências pessoais, num romance quase autobiográfico, cheio de conhecimento técnico sobre a doença. Diz que se sente feliz por saber que algumas pessoas deram um retorno muito positivo sobre o livro. Há quem tenha dito que percebeu os sintomas após ler o livro e buscou ajuda. Outras pessoas encontraram apoio. Enquanto outras se identificaram.
"A intenção era justamente ajudar para que as pessoas encontrassem seu tratamento. Eu digo que quem está começando agora o tratamento, pode ficar tranquilo. Eu sei que é difícil no início. Depois melhora. É preciso seguir. O pior problema que as pessoas podem encontrar é o preconceito, mas isso não é problema delas. É das pessoas preconceituosas", conclui. O livro só está disponível em plataformas digitais.
*O jornalista Victor Furtado, que assina este texto, faz tratamento para o transtorno afetivo bipolar há dois anos, com o tratamento sendo seguido à risca. Há quase um semestre encontra-se estável e já sem ajuda de medicamentos.