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Autismo em foco: período de férias é oportunidade para reforçar a inclusão dos filhos com autismo

Experiências de atividades físicas em família revelam a capacidade de crianças com TEA e reforçam vínculos entre pais e filhos

Eduardo Rocha

Aproveitar o verão com a família acaba sendo uma ótima oportunidade de confraternização, aprendizado e inclusão para cidadãos com autismo, como demonstra a família do educador físico Evandro Guerra, 50 anos, e da advogada Danielle Guerra, pais do menino Nikola, de 4 anos, que tem Transtorno do Espectro Autista (TEA, nível 2 de suporte). O julho deles tem sido de expressões de amor pelo filho por meio de momentos de lazer e entrenimento com o filho, mediante a conciliação do trabalho com atividades lúdicas em família tanto em áreas de praia como em espaços diversos em Belém. E para isso, não é preciso muito, mas, sim, lançar mão da criatividade e zelar pela qualidade de vida e direitos de cidadãos com autismo.

Nikola Guerra cursa o Jardim 1 e está de férias. Mas, mantém terapias, mediante o acompanhamento dos pais. Entretanto, ele passou com os pais nove dias em Salinas, no nordeste do Pará. E a criança aproveitou mesmo: brincou na praia, piscina, esteve pela primeira vez em um resort e, então, brincou muito com os primos, que, inclusive, o incluíam nas brincadeiras.

Surf

Uma das atividades do Nikola em Salinas foi aprender noções de surf na beira da praia, sob os olhares atentos dos pais. Acerca dos cuidados que a família tem com o Nikola quando estão em ambientes abertos, em áreas de praia ou no espaço urbano, Evandro destaca que a atenção é com os carros e o cuidado em com a água. "Nikola tem hiperfoco muito fácil, fixa muito em algo que faz pela primeira vez e é prazeiroso, ou que ele consegue fazer como foi o caso do surf, e aí nem queria sair da água, mas com jeitinho e mudando a atenção para outra, conseguimos", relata Evandro, que tem pós-graduação em ABA, cursos de atividade física aplicada e mentorias relacionadas a pessoas com TEA. 

Essa ação de o menino surfar resulta de todo um processo construído pela família. Muitas crianças com autismo têm hipotonia (fraqueza muscular), muitas não toleram a claridade, como explica Evandro.

"Então, de cara, os pais têm de conhecer essa limitações dos filhos, para poder propiciar brincadeiras e ambientes que vão ser confortáveis para eles. Até numa academia com uma estrutura muito boa, tem criancinhas que não gostam, porque tem muita luz. No caso de se colocar uma cama elástica e a criança ficar pulando sob o impacto de uma luz, vai ser desconfortável. Ela perde o prazer em fazer aquela atividade física; ou, então, muita música, ou muita gente perto dela; então, tem que conhecer o seu filho, as limitações físicas e cognitivas, psicológicas para criar um ambiente propício a que ele tenha interesse naquela atividade física", pontua Evandro Guerra.

Ofertar atividades à criança

A criança pode querer muito nadar, mas não com muito sol. E aí se pode levar a criança por volta das 17 horas para a praia. Se não gosta de muita gente, pode-se levar a criança para uma praia mais afastada. É importante propiciar a interação da criança com autismo com pessoas que ele conheça, como familiares e amigos. Isso porque a criança vendo outra fazendo tal coisa ela quer fazer isso também. "Eu pulei para pegar onde na praia, e ele pulou, quer dizer, eu ofertei para ele, fiz, e ele me imitou, quis fazer; só que, antes, eu já sabia, meu filho não tem hipotonia, é muito forte fisicamente e sei que ele gosta de praia", completa.

Em Belém, Nikola e seus pais se divertem bastante. O garoto anda de patinete, frequenta o parquinho, a piscina, a quadra do condomínio onde moram. "Nós podemos propiciar isso a ele, mas isso também pode ser feito em praças, porque vamos ao Porto Futuro, por exemplo, tem um espaço grande lá, muita coisa boa para ele andar, como trampolim, escala; então, fazemos tanto lá em casa como em outros espaços, porque criança tem que treinar, malhar, de forma lúdica, que é brincando", ressalta o educador físico. 

Lavar o carro

Atividades simples podem gerar momentos únicos para o desenvolvimento de pessoa com autismo e de confraternização entre familiares. Isso acontece, por exemplo, na simples iniciativa de lavar o carro juntamente com o filho ou filha com autismo. 

"Lavar o carro junto com meu filho é algo que já faço há muito tempo. Ele vai fazer 5 anos de idade daqui a duas semanas, e ele com dois anos de idade, nem falando ainda, eu já ia lavar o carro com ele. Agora, assim, eu fui lavar o veículo e coloquei uma música, comecei a dançar, uma música de criança, perto da mangueira que ele gosta, e ele se aproximou; como não falava, ele tocou na minha mão para pegar a mangueira; eu dei a mangueira a ele e ficou molhando o carro como ele queria, deixei à vontade", conta o pai de Nikola.

No começo de uma atividade, a criança vai fazer o que quer fazer. Aos poucos, Evandro foi ensinando Nikola o que era sujo, a como limpar com água, e, inclusive, fazendo com que o filho compartilhasse atenção (fazer duas atividades simultâneas, como saltar com a mangueira na mão, vendo onde estava sujo no carro), em uma sequência pedagógica. 

A família tem um vídeo, recente, do menino ajudando a lavar uma moto, sempre trabalhando a coordenação motora e o aspecto cognitivo, como abrir e fechar um torneira, a encher um balde com água. Esse processo pedagógico, de ofertar demandas a crianças de um modo geral, é salutar para elas aprenderem a fazer atividades. "Se você não oferecer aquilo para o seu filho, como é que ele vai aprender", salienta Evandro Guerra. Para isso, deve-se atentar se o momento e o ambiente para se fazer a atividade são coerentes com o bem-estar da criança com autismo (em especial, as que não falam) e não perder o foco na busca pelo desenvolvimento de pessoa.

Transformação

Para a mãe de Nikola, Danielle Guerra, que junto com Evandro integra o Grupo Mundo Azul, de defesa dos direitos das pessoas com autismo, pais estarem com os filhos em locais saudáveis diferentes é sempre importante para todos na família. Isso pela construção de memórias afetivas e para as crianças se sentirem acolhidas, o que vai contribuir para serem adultos emocionalmente seguros. 

"O autismo do Nikola, quando a gente descobriu, ele nos transformou muito como pessoa; eu sou advogada e sempre tive um olhar diferenciado para as pessoas em geral, e acho que hoje eu tenho um olhar mais diferenciado, um olhar com amor, para as pessoas com deficiência, pessoas em condições de vulnerabilidade, para as pessoas que realmente precisam; então, quando eu vejo uma criança fazendo uma birra no chão, eu olho e imagino que aquilo lá não é uma simples birra; quando vejo uma mãe brigando com uma criança, com seu filho, penso sobre a sobrecarga emocional que essa mãe pode estar passando; então, nós temos hoje um outro olhar para o mundo em geral", afirma.

 

Confira dicas de como construir e aproveitar momentos

com o (a) filho (a) com autismo:

- Crianças, jovens e adultos com TEA devem ter demandas novas, ofertas novas, para poderem realizar tarefas, conhecer pessoas e e ter contato, no caso de uma praia, com ondas, água salgada, brincadeiras na areia seca e na areia molhada, como pega-pega, pular onda e de barquinho, entre outras; ter contato com muitas crianças no entorno em piscinas.

- Para aproveitar o tempo livre nas férias, as crianças podem dispor de parquinhos com brinquedos de condomínios ou de praças, para brincar de forma lúdica; pais podem improvisar brincadeiras, como pira se esconde e outras.

- Em praias e em piscinas, é fundamental os pais estarem sempre perto da criança; os pais ingressarem, primeiramente, na água para ver se tem pedras submersas no trecho da praia; deve-se trabalhar a adaptação da criança ao ambiente novo.  

 

 


 

 

 

 

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