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Motoristas de ônibus enfrentam cotidiano de estresses

Calor, trânsito caótico e problemas mecânicos dos veículos sucateados são os principais fatores

Eduardo Laviano

Em 12 anos como rodoviário, Luciano admite que já foi mais estressado. Hoje, ele se considera um cara relativamente calmo, apesar do dia a dia difícil como motorista de ônibus, enfrentando calor, trânsito caótico e ônibus sucateados com problemas constantes. 

"Qualquer coisinha eu já discutia, já fui até às vias de fato. Uma vez pedi para um bombomzeiro descer, pois é a recomendação da empresa. Mas ele só me xingava, dizendo que ninguém iria tirar ele de lá, falou inúmeros palavrões. Na hora que ele desceu, acabou me dando um soco. Começou aí. Foi um empurra-empurra", afirma. 

Luciano diz entender que os vendedores de doces são pessoas que, assim como os motoristas, só querem garantir o sustento da família.

Mas também acredita que trata-se de uma invasão do espaço de trabalho dos rodoviários, ainda mais quando um embarca logo após um outro desembarcar. 

Este é só mais um dos motivos que acabam, talvez sem intenção, deixando o dia a dia dos motoristas de ônibus mais estressante.

Segundo o estudo Agravos à Saúde, de 2018, 56% dos motoristas por ofício sentem-se nervosos, tensos ou preocupados durante a jornada de trabalho. 

Luciano começou como cobrador e depois se tornou manobrista. Ele conta, que apesar de sentir o peso da profissão às vezes, ama o que faz e, hoje em dia, jamais se deixaria tomar pela ira como ocorreu no passado.

"Eu tenho outra mentalidade. As pessoas não sabem o que estamos passando, mas, apesar de tudo, não levamos nossa vida pessoal para o ônibus. Eu desarmo todos com educação, sempre dou bom dia e boa tarde. Foi um hábito que criei. Parece simples, mas foi uma mudança radical. Já garante um dia melhor para os motoristas e passageiros", conta ele, que está com 37 anos.

 

47% dos entrevistados pelo estudo relataram que dormem mal ou menos do que o recomendado. Luciano acorda quatro horas da manhã e chega na garagem da empresa na qual trabalha às 4h20.

Para garantir energia o suficiente para encarar o expediente, ele se policia para dormir no máximo 22h - o que gera um desencontro frequente entre ele e a esposa, já que às vezes ela chega do trabalho e o encontra já dormindo. 

"Quando chego em casa a primeira coisa que vejo é a minha filha Lorena, de cinco anos, correndo para me abraçar. Eu peço para ela esperar. Corremos um risco imediato de pegar o coronavírus no ônibus", avalia ele.

Luciano relata que os ônibus sempre andam com a lotação completa nos horários de pico. Ele acredita que o psicológico dele permanece estável durante a pandemia de coronavírus e que sempre toma os cuidados recomendadas pelas autoridades de saúde.  

Ele elenca as mudanças que melhorariam e muito a saúde mental dos motoristas:

A primeira seria uma fiscalização mais ativa, principalmente por conta dos motoristas de carros particulares que usam o telefone no volante ("nada me estressa mais").

Depois, semáforos sincronizados que formem uma "onda verde" para os ônibus em corredores exclusivos, a exemplo de Nova York, e a participação dos trabalhadores nas tomadas de decisão do poder público. 

Também motorista, Ricardo Gomes, de 45 anos, acrescenta uma mudança que ele considera primordial para a lista:

"E o nosso clima? Os ônibus urbanos deveriam rodar com ar condicionado. Isso causa doença mesmo, vai além do estresse. Fora isso, já vi amigos sofrendo com tudo que é tipo de contratempo, desde alergia até dor de coluna, sem contar o cansaço", afirma. 

O estudo Agravos da Saúde constatou que 37% dos motoristas sofrem com dores de cabeça e 23% deles experimentam "cansaço frequente".

O calor, acima dos 30 graus, por longas horas afeta o funcionamento do organismo, causando mal-estar e a sensação de fraqueza.

"Nossos governantes não ligam para o fato de trabalharmos em ônibus sucateados. São ônibus velhos que quebram no meio da cidade e passamos vários constrangimentos com os passageiros", afirma Gomes, trabalhando há 27 anos como rodoviário.

 

Ele conta que é comum a ocorrência de panes mecânicas durante o trabalho, o que pode estressar também alguns passageiros impacientes, já que todos possuem horários para cumprir. Com a pandemia, ele conta que teve que redobrar os pedidos de proteção para Deus durante o expediente de sete horas. 

"Precisei de muita coragem. Tive que levantar da cama e enfrentar, sem parar. Não tínhamos nenhuma proteção, como há em algumas outras profissões. Motorista e cobrador tem que ter também aquelas barreiras de acrílico, para separar, garantir proteção. Seria uma tensão a menos para nós, traria menos risco", aconselha.

Na opinião de Ricardo, o poder público e as empresas precisam conversar para saber como os órgãos competentes podem ajudar as empresas de ônibus a garantir a proteção dos motoristas e cobradores e a evitar demissões durante a crise. 

"Sempre lembro de orar, agradecer a Deus, peço para me livrar dos acidentes, falhas mecânicas e para manter a calma nesse estresse do trânsito. Vemos muitas pessoas perdendo a vida em discussões de trânsito. Às vezes a gente se aborrece, fica a ponto de explodir, mas o compromisso profissional deve falar mais alto", afirma. 

O colega de profissão Luciano diz, que apesar de tudo, quer trabalhar até o fim da vida na profissão. 

"Eu ia para o colégio com a minha mãe e ia sentado na boleia dos motoristas, às vezes até passava a marcha. Aos 13 anos, peguei um carro de um namorado da minha irmã. Desde criança, sempre amei dirigir. É difícil. As empresas cobram muito, não repassam melhorias, o salário não aumenta, mas os preços do supermercado sim. Mas amo o que faço", desabafa. 

O vice-presidente do Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários do Estado do Pará, Ewerton Paixão, conta que de fato há muitos casos de estresse e ansiedade entre os motoristas.

"Outra questão delicada também é a dos assaltos nos transportes, apesar dos números terem caído. Quando acontece, sempre é de forma muito violenta, causando depressão e até estresses pós-traumáticos que levam ao afastamento, lamenta. 

Segundo Paixão, o sindicato dispõe de serviço de psicologia para os rodoviários que precisam conversar ou lidar com algum problema mais sério.

Semob

De acordo com a Superintendência Executiva de Mobilidade Urbana (Semob), em nota, o órgão exige idade limite de 10 anos para os veículos, quando então devem ser substituídos, além da exigência de manuntenção constante dos veículos.

Sobre a climatização dos coletivos, a Semob afirma que o regulamento do transporte público em Belém não prevê veículos convencionais com ar-condicionado.

Para tal, a Semob argumenta que a passagem teria de aumentar de valor ou contar com subsídio municipal.

Sobre as barreira de acrílico, a Superintendência afirma que não há previsão para adotar a medida por parte do poder público.

Belém