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Waraos denunciam descaso em abrigo do Tapanã; Prefeitura nega

Indígenas com covid-19 estariam circulando livremente pelo espaço, onde também estaria faltando alimentos

Cleide Magalhães

Três dos 203 indígenas Warao, que vieram da Venezuela e moram no abrigo do Tapanã, em Belém, capital paraense, estariam infectados pelo novo coronavírus. Dentre eles dois homens e uma mulher. Porém, segundo denúncia dos próprios indígenas, os supostos infectados circularim livremente pelo abrigo, sem o uso de máscaras e não receberiam o tratamento adequado, como isolamento social e medicação, para evitar a infecção de outras pessoas e ajudar na recuperação da doença. 

Além disso, os indígenas denunciam a falta de alimentação, o que prejudica diretamente as 100 crianças Warao que vivem no lugar. Na manhã de quarta-feira (4), todos receberam só o café preto. E, por estarem fracas e mal alimentadas, as crianças tiveram o treino suspenso. A situação preocupa tanto os indígenas quanto os trabalhadores do espaço, que confirmam as denúncias.

Uma das lideranças dos indígenas no abrigo é Fred Cardono, 36 anos. Segundo ele, no espaço vivem 203 indígenas Warao no abrigo. Destes, 100 são crianças. Fred conta que dentre os adultos, há dez dias, três estão infectados pelo novo coronavírus. Isso gera preocupação tanto com a saúde dos doentes quanto à possibilidade de outras pessoas serem infectadas.

“Agora são dois adultos e uma mulher doente de covid-19. Mas eles não tomaram remédios nem foram ao médico. O pessoal do abrigo só manda eles esperarem, mas não falam mais nada. Eles andam normal aqui por dentro. Ficamos preocupados com a saúde deles e das outras pessoas também serem infectadas”, reclama.  

A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma), em nota, admitiu que dois indígenas pelo menos estão com covid-19. "Dentre as cinco pessoas que apresentaram os sintomas de gripe, duas foram confirmadas com a covid 19, com sintomas leves. As duas pessoas estão sendo acompanhadas e avaliadas pela equipe do Consultório na Rua. Quanto ao espaço de isolamento, já está sendo providenciada uma área devidamente separada para a permanência dos abrigados que apresentarem sintomas."

Sobre a medicação, a Sesma disse que os mdeciamentos são entregues às famílias, porém se a medicação não for disponibilizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), as famílias são orientadas à compra da medicação, pois "todos são beneficiários do Auxílio Emergencial e/ou Programa Bolsa Família (PBF)". "Caso não seja beneficiada pelo programa, o médico avalia e caso seja possível trocar a medicação por algum que esteja disponível no SUS, isto é feito", disse a Sesma.

Indígenas denunciam que passam fome no abrigo

Ainda segundo Fred, os indígenas não têm alimento sempre e, quando há disponibilidade, não é adequado. “Passamos fome. Estamos preocupados porque não temos alimento direito. Quando tem o alimento que eles fazem pra gente muita gente não consegue comer, não presta muito pra nós, nos faz mal, principalmente para as crianças. O café desta manhã foi só um café preto mesmo pra todo mundo. Até para as crianças. Como não estamos saindo para as ruas para pedir ajuda ou conseguir emprego, por causa da pandemia, não temos como conseguir dinheiro e passamos fome”, afirma o indígena, que mora em Belém desde 2017 e há sete meses vive no abrigo.

Outro indígena destaca que a falta de alimentação atinge, especialmente, as dezenas de crianças. “O problema é que aqui eles não alimentam bem as crianças. O alimento que oferecem não agrada às crianças, que se alimentam mal e estão muito magras. Por isso também que muitas mulheres vão para as ruas atrás de alimentos e medicamentos para as crianças”, critica Abílio Álvaro, 23 anos, que não mora mais no abrigo, há cinco meses. Ele vive de aluguel e busca emprego, mas sempre visita e leva alimentos para familiares e parentes dele que ainda estão no abrigo.

O indígena Warao Alfredo Bermuder, 40 anos, mora no Brasil há dois anos. E já fazem três meses que ele vive com a família no abrigo. Ele conta que a esposa dele está lá doente e também sem nenhum amparo. “Ela está com dores nas pernas. Levei ela no Hospital Abelardo Santos, recebeu a receita do médico, mas ainda sente dores, porque não iniciou o tratamento. Já que eu não consegui trabalho, não temos como comprar os medicamentos. Nem a Prefeitura nem ninguém nos ajuda para conseguir trabalho, comprar a medicação e comida”, lamenta o indígena, que, além da esposa, conta com sete filhos no abrigo.

 

Por estarem fracas e mal alimentadas, crianças Warao têm treino suspenso

Essas situações preocupam não somente os indígenas, mas também as pessoas que trabalham no abrigo. “Soubemos que há três casos confirmados, sim. Dois deles são homens e um caso é mulher. Mas eles andam por aí, não ficaram isolados. Nem nós somos informados corretamente sobre quem está ou não infectado pela covid-19. Além do mais, quem está com sintomas de gripe nem deveria vir pra cá trabalhar, mas acontece”, afirma um funcionário, que pediu pra não ter seu nome relevado na reportagem com receio de represálias.

Na opinião dele, a Prefeitura deveria fazer o teste da covid-19 em todo mundo inclusive nos funcionários. “Porque ficamos direto com os indígenas. Ficamos também preocupados porque nem dentro nem fora do abrigo os indígenas usam máscaras, mesmo que a gente peça”, reclama.  

Além disso, ele confirmou que há falta de alimentação no abrigo e atinge diretamente as crianças, que tiveram atividades prejudicadas nesta quarta-feira (4). “Realmente o café da manhã desta quarta teve apenas café preto, não teve nem bolacha. A comida realmente é pouca e tem faltado. As crianças nem foram treinar nesta manhã porque estão fracas e mal alimentadas”, reitera o funcionário.

A Fundação Papa João XXIII (Funpapa) disse, em nota, que os alimentos continuam sendo entregues no abrigo do Tapanã de forma regular e que apenas um item sofreu um atraso na entrega por parte da empresa que faz a distribuição. "Mas a Fundação já está atuando para que a situação seja normalizada de imediato."

Quanto aos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), a Funpapa informou que estes foram entregues aos funcionários em setembro, e incluem álcool em gel, capote, luvas, óculos de proteção e face shield.  "Além disso, máscaras N95 estão sendo entregues mensalmente pelo CNAR, desde setembro. O espaço conta, ainda, com dispensers de álcool e distribuição de máscaras para todos os usuários. Infelizmente, nem todos seguem as orientações", concluiu.


 

Belém