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Fumaça de queimadas invade o céu de Belém e acende alerta de especialistas

Fumaça está acima do padrão há 10 anos. Queima de combustíveis fósseis já deixa a cidade à beira da emergência

Dilson Pimentel

Falta pouco para que a qualidade do ar em Belém, ainda considerada regular, passe do limite de atenção para o de emergência. De acordo com a professora Eliane Coutinho, diretora do Centro de Ciências Naturais e Tecnologia da Universidade do Estado do Pará (Uepa) e coordenadora do curso de especialização em Gestão e Direito Ambiental, isso significa que, se não forem tomadas providências, os prejuízos hoje causados apenas a idosos e crianças passarão a atingir todas as pessoas. O problema advém sobretudo da queima de combustível, que provoca concentrações de poluentes atmosféricos - dióxido de enxofre, dióxido e monóxido de carbono e a fuligem, que dá densidade à fumaça. “A emergência é como era em Cubatão (SP) e em muitas cidades do México onde as pessoas usam até máscaras”, alertou. 

Há dez anos, Eliane Coutinho pesquisa a poluição do ar. Ela possui doutorado em Ciências Ambientais, na área de Física do Clima, pela Universidade Federal do Pará/ Museu Emílio Goeldi/Empresa Brasileira de Agropecuária, mestrado em Meteorologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e especialização em Meteorologia Tropical pela Universidade Federal do Pará. “Desde 2009 venho fazendo coleta, em função da densidade da fumaça, e vem aumentando esse valor”, comentou.

“O monóxido e o dióxido tiveram suas emissões aumentadas em 50% desde 2009”, acrescentou. “Belém não tem legislação própria e a gente utiliza a de São Paulo, legislações internacionais ou dados coletados pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas”. O ar está poluído, explicou, quando há concentração acima desses valores por um período muito longo. Os congestionamentos, disse ainda, pioram ainda mais a qualidade do ar. Ela citou um trabalho que ainda não está finalizado e usa outra metodologia.

Ela explicou ainda que há dez anos a densidade de fumaça em Belém está acima do permitido e que é maior nas áreas onde há um tráfego maior. “Os pontos em que já fiz análises - Presidente Vargas, Entroncamento, Almirante Barroso, São Brás e os bairros do centro da cidade - sempre têm um valor maior do que o padrão, em média. São os principais corredores de tráfego”. 

Eliane mencionou também como mais graves as situações vividas dentro de veículos em que o sistema de ar condicionado não está funcionando e se respira monóxido de carbono, um gás venenoso, ou quando se está do lado de fora e o cheiro é perceptível ou a fumaça. Para a população, isso acarreta, principalmente, problemas respiratórios. “Pode até causar enfisema, se o indivíduo tiver constantemente exposto”, disse. “A qualidade do ar em Belém precisa de atenção, para que não cause mais danos à saúde da população”, acrescentou.

Ainda segundo a professora, outro problema é a inexistência em Belém de uma estação que monitore a qualidade do ar, como existe em São Paulo. Com o agravante de que deveriam ser instaladas várias. “A nossa vantagem é a temperatura elevada, que expande mais os gases e os dispersam para longe da superfície”, analisou. “Nas cidades onde a temperatura é muito baixa esses poluentes ficam concentrados próximos à superfície.

Árvores já não dão conta de cumprir seu papel

A professora Eliane Coutinho sugere que, para fazer caminhada, as pessoas utilizem locais com menor movimento de carros e que evitem os horários de pico. Ou procurem parques, como o Utinga, o que reitera a necessidade de mais vegetação: “Tem de ser estudado o tipo de vegetação. Não é qualquer tipo. Tem que ser vegetação que consiga, com a sua estrutura de raízes, folhas, reter a poluição do ar”, ensinou. 

“A vegetação tem diversas funções, além do paisagismo, como minimizar as altas temperaturas. Somos conhecidos como a cidade das mangueiras, mas Belém não é a cidade que tem mais vegetação no Brasil. E as nossas árvores já não estão fazendo a função delas, que é de resfriar o ambiente, produzir essa melhor qualidade do ar, porque já são poucas: uma, duas fazem a função na cidade que deveria ser feita por 20. Acabam ficando desgastadas, pode-se dizer assim, com relação a essa retenção dos poluentes atmosféricos”. Além da vegetação, ela defende uma organização do tráfego. “Um novo plano de tráfego na cidade seria essencial. Quanto mais o veículo andar, mais ele está poluindo”, disse, observando que várias linhas de ônibus passam no mesmo local e às vezes com poucos passageiros.

Para ela também é importante retirar de circulação os veículos sem manutenção. “A preocupação é saber se avançou o sinal, que é importante, se estacionou em lugar errado, mas saber se o carro está na manutenção, ou não, parece que não é a preocupação”. Na opinião dela, a reciclagem de lixo também seria um item importante: “A decomposição produz principalmente metano, um dos piores elementos para a atmosfera”, alertou. “Quanto mais você respira, mais atividade física você faz, mais energia você necessita, mais oxigênio. Se você está caminhando em um local altamente poluído, você leva pra dentro todos os poluentes atmosféricos”. 

Câncer de pulmão está associado ao problema

A poluição ambiental causa problemas para a saúde respiratória desde a infância, de acordo com a pneumologista Lúcia Sales, do Hospital Universitário João de Barros Barreto, vinculado ao Complexo Hospitalar da Universidade Federal do Pará (UFPA)/ Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares. “A depender da intensidade, da qualidade do ar que, a gente pode ter aumento de casos de nascimento de prematuros, alteração inclusive no desenvolvimento cognitivo das crianças”, explicou.

Pode aumentar também, segundo ela, a quantidade de crianças com baixo peso ao nascer e piora em pacientes que já têm problema respiratório, especialmente os crônicos, como asma e doença pulmonar obstrutiva crônica. A poluição pode favorecer inclusive o aparecimento de doenças cancerígenas, acrescentou. “Estamos falando de câncer de pulmão mesmo, que tem sido associado à poluição ambiental”. 

Ela atentou, ainda, para o fato de que usar fogo a lenha para cozinhar, dentro de casa, pode ser fator de risco para o desenvolvimento de doenças como bronquite crônica e o enfisema. Lúcia Sales também lista a queima de lixo como problema. “Nós observamos muitos trabalhadores com venda de alimentos e fumaça ao redor, por toda a área, e exposição continuada”, avaliou. A permanência ali durante vários dias, por vários anos, certamente vai contribuir ou para o desenvolvimento ou para a piora das doenças respiratórias crônicas, com casos de pneumonia e gripe também.

A médica destaca a necessidade de expandir a consciência sobre o problema e buscar alternativas para minimizá-lo. “Muitas vezes, não é possível mas aí deve entrar a ação dos governantes, das autoridades, com uma ação coordenada, planejada e a contribuição de todos”, defendeu. “Porque, efetivamente, é algo que afeta a todos. Não tem distinção de raça, sexo, poder aquisitivo. O ideal é a gente ter o ar limpo, puro para respirar. É isso que a nossa saúde deseja e precisa.”

Belém