Empoderamento feminino: como debates em sala de aula estão mudando a vida das alunas
Estudantes têm aprendido sobre respeito e conseguido identificar sinais de violência
A educação emancipa pessoas. A liberdade, enfrentamento aos preconceitos e empoderamento estão ligados ao conhecimento, mas também à oportunidade de vozes serem ouvidas. Escuta e respeito são peças importantes para esse processo, que precisa, sobretudo, de espaço para existir.
O debate sobre empoderamento feminino existe na sociedade há anos. A luta de mulheres é histórica. Atualmente, o que tem surgido são novos nomes, novas formas de debate, novas possibilidades de conversas e encontros.
As salas de aula podem ser ambientes importantes para esse diálogo. A troca entre professores e estudantes pode, literalmente, salvar vidas. Michele Catarina Bezerra, vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Augusto Montenegro, no bairro do Telégrafo, acredita fielmente nisso. "É preciso despertar as alunas enquanto cidadãs. Elas têm que enxergar seus papeis na sociedade. Isso é fundamental para o empoderamento", avalia, ao especificar que, na escola em que atua, projetos voltados ao empoderamento feminino têm se tornado cada vez mais comuns. "Os professores são orientados a trabalhar de forma interdisciplinar, relacionando o conteúdo com o contexto social dessas alunas e alunos, indo de acordo a debates que a própria BNCC (Base Nacional Comum Curricular) propõe", afirma.
De acordo com ela, a introdução desses debates em sala de aula fez despertar nas alunas o entendimento de suas realidades e direitos e, nos alunos, um respeito maior. "A gente observa a diferença nos alunos, no empoderamento, principalmente o respeito. Elas sabem se colocar, ampliar suas vozes, e eles precisam respeitar", diz.
DEBATES TÊM AJUDADO ALUNAS A IDENTIFICAREM SINAIS DE VIOLÊNCIA
Maria Eduarda Silva, de 15 anos, é aluna da Escola Estadual de Ensino Fundamental e Médio Professor Cornélio de Barros, no bairro da Marambaia, e garante que os debates em sala de aula têm ajudado na relação das alunas consigo mesmas. "Ainda é pouco, temos muito o que avançar, não são todos os professores que conversam sobre isso com a gente, mas felizmente já está acontecendo e, mesmo que pouco, tem sido bom para nos alertar", ressalta, ao contar a história de uma amiga, que percebeu algumas violências sofridas após um debate levantado em sala de aula. "Foi bem importante a gente ter tido aquele debate, porque, mesmo sendo novas, esclareceu muita coisa que a gente não tinha em mente, que não sabíamos que tínhamos passado."
Sobre os meninos, e como os debates afetam a eles, ela diz que "é bem difícil, porque muitos deles carregam o machismo e a cultura do estupro dentro de si", mas garante que já está melhor. "Não existem mais aquelas piadinhas machistas, aquelas cantadas chatas. Está melhorando e eu acho que a cada dia a gente consegue dar um passo a mais."
Para ela, entretanto, os debates precisavam começar ainda mais cedo. "Acho que pelo menos desde o sexto ano tínhamos que começar a falar disso, porque é quando começamos a ter aulas de filosofia, sociologia e dentro dos estudos aprendemos sobre alguns aspectos", explica, pontuando que "é bom aprender sobre isso, saber do que estamos passando em casa, na escola, na rua". Maria Eduarda ainda diz que ouvir relatos de outras mulheres e não sentir incômodo é praticamente impossível. "É uma dor no peito por imaginar que uma mulher está passando por essa situação", reflete, ao dizer que o apoio tem que ser mútuo entre elas.
Professora de artes, Lanna Patrícia Marques atua em escolas públicas do Estado e afirma que percebe que, nos últimos anos, as escolas têm refletido mais o debate em torno de questões ligadas às mulheres. "A escola reflete tanto no currículo, como em suas práticas e vivencias que as alunas trazem", explica, afirmando que, até há 10 anos "não percebia a presença de tantas alunas falando sobre feminismo, discutindo machismo em sala de aula".
"A escola acaba sendo reflexo dessas transformações. Esses assuntos têm sido preocupação de professores, professoras que têm estudado mais sobre esses aspectos e transformando isso em uma demanda da escola. São professoras feministas dizendo que a escola também precisa discutir tudo isso, precisa fazer dessas questões, questões de currículo mesmo, fazer com que elas estejam sendo discutidas nos exemplos escolares, que façam parte do calendário", pontua.
O debate, entretanto, não surge apenas quando alguma data especial, como é o caso do 08 de março, está em pauta. "Mesmo quando não faz parte de uma atividade curricular, oficial da escola, a gente levanta essas questões nas nossas aulas. Aproveitamos a oportunidade para discutir e muitas vezes são os próprios alunos e alunas que trazem essas questões", garante.
A educadora aproveita para ressaltar que para além dos alunos, a escola tem se preocupado em levantar essas questões e levá-las às comunidades. "Agora, nesse período de Dia das Mulheres, por exemplo, em uma das escolas em que trabalho, a atividade vai contemplar também as mães. Vamos fazer um bate-papo, porque a ideia é fazer com que elas também possam se sentir acolhidas pela escola", explica, acrescentando que "tem muita mãe que é vítima de violência, muitas filhas que também podem ser vítimas e a escola tem entendido que ela também precisa assumir esse papel, de um espaço de acolhimento, de informação, de esclarecimento".
O QUE DIZEM AS SECRETARIAS
Procurada pela Redação Integrada de O Liberal, a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) enviou uma nota na qual afirma que "realiza ações permanentes junto ao público feminino por meio das diversas datas celebrativas existentes no calendário nacional".
Segundo a Seduc, as temáticas que envolvem o empoderamento feminino são incentivadas na rede estadual por meio de formações continuadas, rodas de conversas, seminários, cartilhas e folders". "O protagonismo feminino no espaço escolar, o respeito à diversidade de gênero e o combate à violência contra a mulher estão entre os principais temas abordados nas escolas".
Também procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Educação (Semec) de Belém citou o projeto "Direito de Ser Criança", realizado nas escolas municipais, como meio utilizado para valorizar "por meio de atividades pedagógicas diversos direitos da criança e da juventude, incluindo o empoderamento feminino".