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Em 2019, 53 mil indígenas cursavam o ensino superior; ativista conta quais são os principais desafios

"As universidades precisam promover em seus currículos, disciplinas que possam dialogar com os nossos saberes", afirma Márcia Kambeba

Emanuele Corrêa

O mês de abril é dedicado à reflexão sobre os direitos, dignidade e aos diferentes acessos dos povos indígenas. Um destes acessos, é o direito à educação. De acordo com dados do Ministério da Educação, no início de 2019, mais de 53 mil estudantes indígenas cursavam o ensino superior. Na última quinta-feira (14) a doutoranda, servidora pública e ativista pelos direitos indígenas Márcia Kambeba, do povo Omágua-kambeba, conversou com a comunidade acadêmica no seminário "Interligando Mundos", na Universidade Federal do Pará e compartilhou com a equipe da Redação Integrada de O Liberal quais são os principais desafios na formação acadêmica dos estudantes indígenas.

Os saberes indígenas estão nos currículos?

"As universidades precisam promover em seus currículos, disciplinas que possam dialogar com os nossos saberes, que são considerados empíricos pelas universidades. Mas são fundamentais. Trazemos dos nossos territórios pela oralidade. Esse território memorial a universidade não tem. Conseguimos caminhar nesse ambiente não indígena, porque aprendemos na aldeia que temos que entender esse universo para resistir nele. Não é só receber o aluno, é promover um bem viver e isso envolve esses saberes.

As cosmologias indígenas estão presentes na universidade?

Está presente quando nossos corpos entram, quando pisamos na universidade, carregamos essas cosmologias, identidades e pertencimentos.

Como é o acesso aos espaços?

O espaço, temos que lutar por ele aqui dentro. Sempre digo aos meus parentes indígenas, que precisamos territorializar mais os espaços. Na Bahia uma estudante indígena foi utilizar o cachimbo, que é a nossa ligação com o mundo espiritual, e ela teve sair dali e provar que aquilo era do povo dela. O maracá precisa ecoar, nossos pés precisam tocar o chão. A gente precisa pedir permissão antes de entrar na sala de aula do branco para poder entender esse universo e poder dialogar.

Quais responsabilidades carregas?

Não podemos perder em nós essa essência, pertencimento e identidades. Estou territorializando o meu corpo. Isso não é adereço, o cocar é um elemento sagrado, que me lembra a todo instante que nos meus ombros pesa uma responsabilidade. Que quando eu sair da universidade, tenho que fazer algo pelo meu povo. Quando eu entro aqui eu carrego um povo.

Sofreste preconceito no ensino superior?

Escutar de uma professora que o seu conhecimento é empírico, que você não está preparada para estar em uma federal, eu ouvi isso no Amazonas, no mestrado. Eu tive que provar que, se eu tirei o segundo lugar no mestrado na UFAM, eu estava preparada para estar ali.

O que precisa mudar?

O professor precisa saber trabalhar na sala de aula com a interdisciplinaridade. Trazer textos transversais. Valorizando a escrita indígena e amazônica, as universidades precisam se 'amazonizar' mais ainda. 

Qual é a mensagem do evento que participaste?

Trazemos esse olhar das epistemologias, como esses saberes dialogam com o que a universidade nos propõe no currículo acadêmico. Como esses saberes podem contribuir. É importante que entremos nas universidades, interliguemos esses saberes, criemos pontes. A ponte que interliga esses mundos é o respeito. 

Belém