Desde a infância até a vida adulta, o ato de mentir possui várias funções: evitar punições e conflitos, bem como ganhar vantagens. Pesquisadores da neurociência já identificaram que a mentira nos primeiros anos de vida pode ser, inclusive, um bom indicativo sobre o desenvolvimento das crianças. No entanto, mentiras em excesso nessa idade podem indicar problemas de ordem emocional, como baixa autoestima, ansiedade e outras questões emocionais.
A estudante Kassiane Santos (27 anos) é mãe de dois garotos: Luan (5 anos) e Juan (8 anos). Ela percebe que o mais velho, já na segunda infância, aprendeu a mentir por volta dos 5 anos de idade. “Mas eu já conheço: quando ele mente, ri. O menor não sabe mentir; ele chora”, diferencia a mãe.
Kassiane diz que o filho de 8 anos costuma fantasiar sobre situações que teriam ocorrido na escola, envolvendo os colegas. “Eu falo: ‘Juan, é verdade? Eu vou perguntar pra professora’, e ele diz: ‘Não, mãe, por favor não pergunte. É mentira minha”. Na opinião da estudante, a mentira não tem a ver com idade, mas sim com a personalidade da criança.
A balconista Célia Marinho (59 anos) mente para o filho de 13 anos quando decide ir para festas. “Eu digo pra ele: ‘Olha, você fica em casa, que eu vou ali na praça, depois eu volto, compro um lanche’. Aí eu vou lá na Seresta, às vezes eu tomo uma gelada e ele pergunta: ‘A senhora tava bebendo?’, eu digo: ‘Não, só tomei duas cervejas’. A gente trabalha a semana toda, aí no sábado, a gente tem que dar uma escorregada. Mas é rápido, não é toda vez que eu faço isso”, pondera.
O psicólogo clínico Harrison Miranda explica que, normalmente, a mentira aparece na transição entre a primeira e a segunda infância, a partir dos cinco/seis anos. “Nessa fase, as crianças já conseguem brincar com a fantasia e criar, de forma consciente, situações imaginárias. A mentira em si se torna algo intencional por volta dos sete anos (início da segunda infância), quando a criança já adquiriu noções de valores sociais e sabe a diferença entre verdade e mentira, e quando a mentira pode prejudicar o outro”, complementa.
Durante a infância, a mentira possui uma função peculiar no desenvolvimento da personalidade. É quando o indivíduo se percebe diferente dos outros, com desejos e motivações que podem não ser aqueles ditos pela figura dos cuidadores. No entanto, o psicólogo explica que a mentira constante, em situações inapropriadas, pode sinalizar problemas subjacentes. “É essencial ensinar às crianças a importância da honestidade e da integridade, ao mesmo tempo em que se compreende que a mentira ocasional faz parte do desenvolvimento normal”, pondera.
Como falar sobre a importância da honestidade
A abordagem do diálogo, empatia e afeto são fundamentais para lidar com a mentira dos pequenos, afirma Harrison. “A criança pode estar lutando com medo, ansiedade ou tentando evitar situações indesejadas. Em vez de punir a mentira, é crucial abordar a causa raiz desse comportamento”, ressalta o profissional. Além disso, é importante observar o ambiente em que a criança está inserida. “A família também mente? Qual é a dinâmica entre os familiares? As crianças aprendem com os adultos ao seu redor, então é necessário revisar as atitudes e comportamentos de todos que estão envolvidos na vida da criança”, enfatiza.
Kassiane diz aos filhos que “não é bonito mentir. Não importa qual seja a verdade, sempre fale”. No entanto, ela assume que já mentiu para os filhos. “Depois de virar mãe e pai, a gente sempre mente para os nossos filhos não cometerem os mesmos erros que a gente”, justifica. A estudante garante que os filhos nunca perceberam esse tipo de situação: “Ainda bem, né? Vai que eles me pegam e dizem: ‘Eu vou fazer isso porque a senhora fez’?”, finaliza.