408 anos: Desafios da urbanização em Belém: 55% da população vive em áreas precárias
De acordo com o arquiteto e urbanista Juliano Ximenes, melhorias na área exigiriam investimentos de mais de R$ 30 bilhões
Antônio Lemos é lembrado, até hoje, como um dos melhores gestores que Belém já teve. Ele realizou grandes obras e tornou a cidade mais bonita, agradável e saneada. No entanto, as melhorias atingiram apenas a elite endinheirada da borracha: não só as áreas periféricas ficaram de fora desse plano de urbanização, como as camadas populares foram “empurradas” para os locais mais afastados da cidade.
O arquiteto e urbanista Juliano Ximenes, professor da Universidade Federal do Pará, explica que os ganhos da borracha nunca realmente produziram uma cidade totalmente estruturada. “Foi melhorado seu centro, capaz de dar suporte às atividades do ciclo econômico, mas a precariedade da época continuava nos arredores das áreas centrais, com populações caboclas, indígenas, negras e pobres habitando em condições sensivelmente insalubres, e sujeitas a leis que procuravam coibir a ‘vadiagem’ e as manifestações sociais das ‘classes perigosas’”, explica o profissional.
Assim, ao mesmo tempo em que a área central de Belém recebia a modernização característica da virada do século XIX para o XX, com novas tecnologias como bonde elétrico, iluminação pública e pavimentação, suas áreas baixas e inundáveis não tinham melhorias. Durante o século XX, os vários ciclos migratórios para a Amazônia, sobretudo de nordestinos, provocaram inchaço e ocupação irregular das periferias de Belém.
Tudo isso mostra que a cidade não contou com um esforço de planejamento de seu território, fora algumas exceções nas regiões mais centrais. “Desde os anos 1990, Belém e sua área metropolitana adjacente são um aglomerado urbano marcado pela precariedade da moradia e pela fragilidade de sua economia”, aponta o urbanista.
Áreas precárias
De acordo com dados de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Belém é o município brasileiro de grande porte com maior percentual de domicílios situados em áreas precárias de favela: 55,5% de sua população vive assim. Segundo a Fundação João Pinheiro, o déficit habitacional da Região Metropolitana de Belém, no mesmo ano, era de 82 mil unidades habitacionais, 11% do total metropolitano, sendo 80% deste déficit entre pessoas pretas e pardas.
Para Ximenes, além do aspecto histórico da ocupação da cidade, isso se deve à posição da região Norte em nível nacional. “É uma região que é periferia do Brasil, que não recebe os investimentos devidos, mas que recebe empreendimentos econômicos de grande impacto social sem contrapartidas necessárias e equivalentes”, avalia.
Investimentos
Para sanar as deficiências urbanas de Belém, o urbanista aponta que é necessário o apoio dos governos do Estado e Federal. “No nosso caso, o mais adequado seria a aplicação de projetos e recursos do Novo PAC em ações de urbanização de favelas (urbanização de assentamentos precários, sem retirar os moradores de suas áreas), nos Planos Metropolitanos de Água e Esgoto, na conclusão do BRT Metropolitano e suas demais ações e obras e em um amplo programa de regularização fundiária e urbanização”, explica. “Para termos uma base de comparação, enquanto o orçamento anual de Belém é de cerca de R$ 3,5 bilhões, estas ações metropolitanas custariam entre R$ 30 e 50 bilhões”, detalha.
Estes mesmos investimentos envolveriam, também, melhorias nas condições das vias de Belém. “A cidade precisa de um novo modelo de projeto de vias e espaços públicos, em que a permeabilidade do solo seja o centro, com vias fortemente arborizadas, com grama, arbustos e árvores, para amenizar o calor urbano, reduzir os alagamentos e melhorar a qualidade do ar. Isso também aumentaria a vida útil dos pavimentos”, esclarece.
“Do mesmo modo, precisamos mudar significativamente a maneira como fazemos urbanização de nossas áreas inundáveis e do entorno de nossos rios urbanos e canais de drenagem, aplicando soluções ambientalmente mais responsáveis, baseadas no uso intensivo da tecnologia e da vegetação e na maior infiltração natural da água no solo, o que reduziria muito os alagamentos e a poluição”, enfatiza o professor.
Plano Diretor
Recentemente, a Prefeitura de Belém anunciou a revisão do Plano Diretor do município, que já tem 15 anos de existência. O documento é o instrumento básico que orienta a política urbana da capital, sobretudo no planejamento do território, em questões de habitação, saneamento, transportes e meio ambiente.
Ximenes aponta quais deveriam ser as pautas prioritárias para a reelaboração do plano. “Precisamos nos reposicionar nacionalmente e buscar um horizonte de financiamento da reversão das nossas deficiências. Precisamos implantar água potável, esgoto sanitário e vias urbanizadas para todos, escolas e postos de saúde em todas as regiões do município, aumentar a oferta de transportes, reforçar as localidades capazes de gerar empregos para a população, aumentar fortemente a quantidade de áreas verdes, de convivência e de produção de alimentos saudáveis em nosso território, além de viabilizar a ocupação dos bairros que ainda podem receber mais moradores, como o Centro Histórico”, opina.
Na visão do urbanista, são essas as pautas que devem ser discutidas e negociadas com a população na revisão do plano. “Assim, a cidade poderá criar uma dinâmica de crescimento com igualdade, justiça e segurança social, revertendo o estigma de metrópole dentre as mais favelizadas do país”, conclui.