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Depressão e ansiedade: tratamento pode evitar tragédias

Estigma em torno da doença ainda impede a busca por ajuda

Victor Furtado

Suicídio é um tema cercado de tabus, desinformação e preconceito. Quase tudo relacionado a saúde mental é assim. É tão difícil que muitas pessoas sofrem caladas, com medo do julgamento social. Mas psicólogos e psiquiatras são enfáticos: o suicídio é um sintoma final e fatal de alguma doença mental, de um sofrimento não tratado. As mais comuns são depressão e transtorno de ansiedade. Mas outras doenças podem levar alguém a não encontrar outra saída para o sofrimento.

O Centro de Valorização da Vida (CVV) oferece apoio emocional gratuito a quem está sofrendo com pensamentos suicidas, depressão, ansiedade ou pensamentos violentos. É possível conversar, de forma sigilosa, pelo telefone 188, pelo chat do site www.cvv.org.br, por e-mail... a pessoa que estiver precisando escolhe o meio que achar mais conveniente. O CVV tem atendimento 24 horas por dia. 

Pensamentos suicidas, sentimentos de tristeza prolongada, ansiedade, medo excessivo e reações violentas ou agressivas são sintomas de doenças da mente e que podem ser tratados. Muitas vezes, o ódio também é um sintoma. E se esse sentimento levar a pensamentos violentos ou suicidas, procure ajuda.

Quando ocorre uma tentativa de suicídio, ou quando alguém tem o trágico êxito em tirar a própria vida, os comentários negativos são comuns - o que, com as redes sociais digitais, foi amplificado.

Há quem se esforce nessas mídias em conscientizar que saúde mental precisa ser tratada com seriedade. O julgamento social e comentários negativos só pioram as condições de quem está doente. E podem acabar acendendo em alguém o impulso de se matar. Um impulso evitável, desde que haja atenção e tratamento.

Tratamento pode garantir uma vida plena e sadia
 

O tratamento requer acompanhamento de um psicólogo. Em alguns casos, pode necessitar de medicação, que é prescrita apenas por psiquiatras. Os remédios são como todos os outros: servem para tratar uma doença e os sintomas. Pessoas com hipertensão ou diabetes tomam medicamentos de forma permanente. Essas pessoas não costumam sofrer preconceito. 

Depressão e ansiedade têm gatilhos emocionais. Contudo, muitas vezes podem estar relacionados com algum desequilíbrio ou mau-funcionamento da química do organismo. Do mesmo jeito que alguns sistemas digestivos não conseguem, de forma alguma, digerir lactose. Ou como quando uma pessoa sofre de enxaqueca. E assim como um câncer sem tratamento pode matar rapidamente uma pessoa, depressão e ansiedade também. Apenas como exemplos. Outras doenças, como transtorno bipolar e esquizofrenia também.

Nesta terça-feira (16), um provável caso desses ocorreu em um shopping de Belém. Na segunda-feira (15), ocorreu um caso com uma blogueira no Rio de Janeiro, que acabou ganhando repercussão nacional. Em ambos os casos, sobraram julgamentos que desonraram as pessoas que não encontraram outra saída. Comentários que ofendem e machucam famílias e amigos das pessoas que cometeram suicídio.

Ao passo que debates sobre a saúde mental e sobre suicídios se tornaram uma evidência nos últimos anos, as percepções começaram a mudar. Mas muitos janeiros brancos e setembros amarelos — campanhas de cuidado com a saúde mental e prevenção ao suicídio — ainda serão necessários até que o tema alcance a importância necessária.

A psicóloga Larisse Souza explica que ainda há muitos mitos quanto à saúde mental e tratamento de doenças emocionais. Por conta de tanto preconceito e desinformação, os pacientes muitas vezes nem procuram ajuda. Quando procuram, em algumas situações, esbarram na desinformação alheia. Sem tratamento adequado, os pacientes acumulam sintomas e podem chegar a estágios mais graves. O pensamento suicida é um dos estágios mais extremos.

A ajuda psicológica, pontua Larisse, é difícil de ser encontrada no sistema de saúde pública. O acesso é apenas um pouco facilitado com planos de saúde. Tratamento psicológico e psiquiátrico, na rede particular, é caro. E é um investimento que pode ser prolongado por muito tempo. Mas há saída. Há tratamento. Muito melhor do que perder todas as oportunidades que a vida oferece. Com terapia e medicação, é possível controlar o sofrimento causado por doenças mentais. Dá para recuperar a vida e vivê-la de forma produtiva e satisfatória.

Doenças mentais nada têm a ver com "falta de Deus"
 

O psicólogo Manoel de Cristo, professor da Unama, explica que, historicamente, coisas que a ciência tinha dificuldade em lidar eram atribuídas a fatores religiosos ou espirituais. Mas assegura que essa relação entre doenças mentais e falta de fé ou religião não existe. Cabe lembrar que o padre Marcelo Rossi e o padre Fábio de Melo relataram, abertamente, o enfrentamento de doenças mentais.

As duas doenças que mais levam a suicídios não são compreendidas por falta de informação. Até hoje há quem considere um absurdo que o comediante Whindersson Nunes tenha depressão.

Muita gente cantou as músicas de Linkin Park sem perceber quantas delas eram avisos do sofrimento que acometia o vocalista Chester Bennington — no próximo dia 20, serão dois anos desde a morte dele —, como "Breaking the habit" (com um clipe mostrando automutilação e uma tentativa de suicídio) e "Given Up" (que descreve uma crise de ansiedade). 

A arte foi o meio que vários artistas encontraram para extravasar o que sentiam e alertar que essas doenças são brutais com qualquer organismo.

Qualquer pessoa que se ponha a comentar qualquer coisa, deve buscar saber do que está falando antes. Por isso, antes de falar qualquer coisa, que não seja um reconforto às famílias e amigos de suicidas, é importante se informar sobre as doenças, causas e sinais de que um suicídio pode ocorrer.

Suicídio é um tabu que precisa ser ultrapassado, mas com responsabilidade
 

"Suicídio, querendo ou não, é um tabu. E o índice de suicídios tem aumentado. Isso é alarmante para psicólogos e famílias. Hoje, de 30 pessoas que tentam suicídio, cinco conseguem. O número de ligações recebidas pela CVV aumentou e muitos são jovens e adolescentes. Um suicídio ou tentativa de suicídio é um pedido de socorro", aponta Larisse. Baleia Azul pode não levar diretamente ao suicídio, mas ser um gatilho para pessoas que estão passando por um momento difícil.

O suicídio vem deixando de ser tabu na própria imprensa. Por muitos anos, jornalistas evitam publicar assuntos com o tema para evitar efeitos multiplicadores. Contudo, a necessidade de informação levou a se falar mais sobre o assunto, buscando outras abordagens mais propositivas, informativas e acolhedoras. De conteúdo ruim e sensacionalista, já há o bastante e de forma irresponsável nas redes sociais digitais. Repassar fotos de casos de suicídio é um enorme desserviço. Um risco a pessoas que já estão adoecidas.

"Qualquer pessoa com algum trauma ou que esteja vivendo uma situação difícil pode ter um pensamento suicida. É uma forma de escapismo ou tentativa de resolver o problema mais facilmente. Essa fragilidade pode levar pessoas a fazer até mesmo o que não querem de verdade", reforça Larisse.

Jovens estão se tornando o público mais vulnerável
 

Na avaliação de Larisse, os jovens são os mais vulneráveis, atualmente. Têm cada vez menos controle e presença da família. Em contrapartida, cada vez mais acesso à internet e sem filtro algum. A adolescência é uma fase de transição, descobertas e formação de identidade. Os hormônios estão fazendo uma revolução no organismo. É uma fase difícil, emocionalmente. Ainda assim, muitas pessoas acham que tudo não passa de "drama, frescura ou tentativa de chamar atenção". Não é tão simples assim. Essa fase pode ser dura e até traumática para algumas pessoas. Requer acompanhamento.

Larisse ressalta que o Brasil — de certo modo, o mundo todo — vive num momento de polarização e de muita agressividade. E justamente nas redes sociais digitais é que muito ódio tem vindo à tona sem restrições: intolerância religiosa, racismo, disputa político-ideológica, LGBTIfobia, bullying, pornografia de vingança, machismo, misoginia... tudo isso contribui para uma geração tão exposta na internet ser bombardeada com coisas que podem levar a um adoecimento.

"A saúde mental é tratada com preconceito. Se introjetou na sociedade que buscar ajuda psicológica é como se já fosse louco, covarde, fraco ou perdido. É senso comum. Eu escuto que cuido de doidos. Mas eu cuido de pessoas com problemas emocionais. Não se vê a diferença entre psicologia e psiquiatria", destaca a psicóloga, dizendo que não é vergonha procurar ajuda.

Sobre a doença:


- A depressão afeta 322 milhões de pessoas no mundo, segundo dados divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS);

- Cerca de 800 mil pessoas morrem por suicídio a cada ano no mundo - sendo essa a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos;

- O Brasil é campeão de casos de depressão na América Latina. Quase 6% da população, um total de 11,5 milhões de pessoas, sofrem com a doença, diz a OMS;

- Embora existam tratamentos eficazes conhecidos para depressão, menos da metade das pessoas afetadas no mundo (em muitos países, menos de 10%) recebe tais tratamentos.

 

*** O jornalista Victor Furtado, que assina este texto, tem transtorno bipolar. Com acompanhamento psicológico e medicação, conseguiu estabilidade e bem-estar. Os pensamentos suicidas são, felizmente, coisa do passado. Com tratamento correto, os sintomas são superáveis. Cuidar da saúde mental requer paciência e dedicação.

Belém