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Caso 'Calvo do Campari' é ‘personificação da violência contra as mulheres’, diz psicóloga paraense

‘Coach da masculinidade’ ameaçou influencers que ironizaram a 'machosfera', que prega suposta ‘superioridade’ do homem sobre a mulher; para Bárbara Sordi, a masculinidade tóxica afeta a saúde mental do homem

Fernando Assunção

O mês de março é dedicado à luta das mulheres, mas, infelizmente, o tema da misoginia - aversão às mulheres - também ganhou destaque nas últimas semanas. Isso porque Thiago Schutz, que se apresenta como “coach da masculinidade”, ameaçou a atriz Lívia La Gatto e a sambista Bruna Volpi, após elas ironizarem o conteúdo do influencer, que oferece cursos que pregam uma suposta “superioridade” dos homens sobre as mulheres, a partir de conceitos como “machosfera” e “red pill”. As ameaças viraram caso de polícia, e, na última terça-feira (7), a Justiça de São Paulo concedeu medida cautelar obrigando o coach a ficar, no mínimo, 300 metros distante. Segundo a psicóloga paraense Bárbara Sordi, o caso é a “personificação da violência contra as mulheres”.

Coach Thiago Schutz é acusado de ameaçar de morte atriz
Livia La Gatto registrou boletim de ocorrência após receber ameaças virtuais do influenciador

O que é a ‘machosfera’? O que esses movimentos pregam?

“A ‘Machosfera’, assim como o ‘red pill’, ‘incel’, MGTOW, são conceitos que reforçam a misoginia e se propõem a fazer oposição ao feminismo. Ao contrário do que estes grupos compreendem por feminismo, os movimentos de mulheres têm significativo tempo de existência e lutam por direitos, pelo reconhecimento de violências estruturais e por clamar e implantar medidas políticas que possibilitem condições dignas e justas para as mulheres sobreviverem. Penso que esse debate afeta tanto alguns grupos de homens, a exemplo dos adeptos da ‘machosfera’, porque há uma resistência em mexer com privilégios e pensar em relações de gênero, é pensar em relações de poder”.

É correto dizer que os movimentos que pregam a “superioridade masculina” estão em ascensão?

“Não, são conceitos difundidos por grupos que não tem grande amplitude e força. Eu, enquanto estudiosa de gênero, discordo que o movimento esteja em ascensão, penso que homens misóginos sempre existiram e que a cultura de violência contra as mulheres foi importada por nós, brasileiros e brasileiras, desde a colonização – com a invasão, trajada de ‘descoberta’, de territórios (inclusive os corpos das indígenas)”.

De que forma a masculinidade tóxica pode afetar a saúde mental do homem e os relacionamentos que ele desenvolve?

“Esse movimento afeta diretamente a saúde mental de homens, vide o número de suicídios masculinos, violências urbanas, alcoolismo, acidentes de carro e afins. Homens pouco cuidam de sua saúde, no sentido de procurar terapia e realizar exames, mantendo-se, em geral, submetidos à lógica da eficácia, onde precisam dar conta, ter destaque no trabalho e virilidade. Isso leva a um processo contínuo de auto exigência, de precisar de reconhecimento de outros homens, assim como negação aos sentimentos, como o clássico: ‘homem não pode chorar’. Muitos homens constituem relacionamento entre homens de amizades para manutenção e confirmação da masculinidade, reafirmando o número de parceiras sexuais, por exemplo, mas com pouco espaço para aparecer as vulnerabilidades. No dia-a-dia, no consultório clínico, tais questões aparecem como casos de disfunções sexuais e sentimento de desvalorização. Em casa, isso se reflete na naturalização da opressão e servidão da mulher. É importante afirmar que são estes eixos que desdobram nas violências contra as mulheres, quando a comunicação é a violência, quando mulheres são objetificadas e significam propriedade, quando a imagem social precisa ser mantida como esse homem escolheu”.

Qual o alerta que se acende com o caso Thiago Schutz ("Calvo do Campari")?

“O caso acaba sendo a personificação das violências contra as mulheres. Ameaças, motivadas pela condição de gênero, são consideradas legalmente como violência contra a mulher e, por isso, precisam sair da esfera do silêncio e serem denunciadas para proteção das mulheres. Porém, medidas preventivas, de educação em letramento de gênero e raça também são necessárias. É importante ressaltar que precisamos falar de medidas de educação, da urgência de difundir espaços para desconstrução da masculinidade hegemônica que traz prejuízo a todos, inclusive aos homens e sua saúde mental. Neste sentido, os grupos sobre masculinidades são de extrema importância, assim como terapia com profissionais que tenham aporte em estudos de gênero”.

Belém