Carne de castanha e azeite de açaí: UFPA aposta na Amazônia para revolucionar os alimentos do futuro
Na UFPA, tradição e ciência se unem para criar alimentos sustentáveis a partir de ingredientes amazônicos como açaí, buriti e castanha-do-pará, apontando caminhos inovadores para enfrentar a crise climática e alimentar o planeta.
Diante das mudanças econômicas, da pressão sobre os recursos naturais e da urgência climática, pensar o que colocamos no prato se tornou um desafio para a ciência e para a sobrevivência. Na Amazônia, pesquisadores da Universidade Federal do Pará buscam alternativas que unem tradição e inovação para garantir o amanhã da alimentação. No curso de engenharia de alimentos, ingredientes ancestrais ganham nova vida: castanha-do-pará vira carne vegana, o açaí se transforma em azeite e o buriti em farinha rica em nutrientes. São respostas criativas e sustentáveis a um mundo que pede menos desperdício e mais equilíbrio.
Esses “alimentos do futuro” não são apenas tendências: são pontes entre o saber da floresta e as necessidades do presente. Com foco em nutrição, resiliência climática e menor impacto ambiental, as pesquisas apostam também na agricultura urbana e no resgate de culturas alimentares esquecidas, revelando que o futuro pode, sim, brotar das raízes mais profundas.
Os experimentos são realizados no Laboratório de Tecnologia Supercrítica (LABTECS) Umiversidade Federal do Pará (UFPA), instalado no Parque de Ciência e Tecnologia (PCT). Lá, ciência e tradição caminham lado a lado na reinvenção do alimento. Pesquisadores se debruçam em estudos sobre ingredientes nativos como o buriti, o jambu, o cacau, a castanha-do-pará e o açaí, buscando alternativas sustentáveis.
De acordo com o professor pesquisador Raul Carvalho, do curso de engnhearia de alimentos, os resultados são animadores. Com o buriti, o fruto se tranformou em farinha, um alimento funcional, rico em carotenoides e com potencial como corante natural. Também aprimoram o cultivo de flores comestíveis do jambu e estudam a adubação ideal para espécies do vegetal, que ganha destaque não só na culinária, mas também na produção de cachaças aromáticas e regionais.
"Em relação ao açaí, a matéria-prima é extraída para desenvolvimento de diversos produtos, entre eles o azeite, que inclusive ja é usado em restaurantes tradicionais de belém.
Ao mesmo tempo, os pesquisadores denunciam o desperdício de sementes e frutos, que muitas vezes são descartados por falta de tratamento adequado na colheita. A verticalização desses alimentos, ou seja, o controle de toda a cadeia produtiva — do plantio à prateleira —, aparece como estratégia central: valorizar frutos amazônicos negligenciados, agregar valor e atrair a indústria. Assim, o que antes era rejeito vira inovação, e o alimento se transforma em saúde, renda e identidade para os povos da floresta.
"Através dos povos originários, a ciência encontra caminhos ancestrais para os alimentos do futuro.Eles sabem, por exemplo, como cultivar o alimento respeitando o tempo da terra, reconhecem o comportamento de uma planta do mangue, o estágio de maturação de seus frutos, suas propriedades medicinais, seus aromas, e tudo isso apenas observando o céu, a lua, a maré. É um conhecimento sensível, transmitido de geração em geração, que traduz o equilíbrio entre o ser humano e a natureza", declarou.
Entre as inovações mais promissoras do LABTECS está a carne vegana feita a partir da castanha-do-pará — um alimento funcional que nasce da floresta. A partir da castanha in natura, os pesquisadores extraem o óleo e transformam o que resta em uma farinha rica em proteína. É dessa matéria-prima que surge a formulação da carne vegetal, que lembra um hambúrguer: textura macia, sabor suave e aparência que impressiona. Rica em selênio, fibras e gorduras boas, a castanha-do-pará é um superalimento típico da Amazônia, com alto valor nutricional. Diferente das proteínas industrializadas, que demandam processos químicos complexos e muitas vezes geram resíduos poluentes, a proteína vegetal obtida da castanha é extraída de forma limpa e sustentável, respeitando os ciclos da natureza. A pesquisadora Ana Paula Silva é um dos membros deste estudo, que é considerado promissor.
"Os equipamentos de extração que foram instalados no laboratório permitem bter diversos produtos, como óleo, farinha e no futuro um nugget vegetal da castanha", explicou Ana, que ainda reforçou sobre a parceria deste estudo com o 'The Good Food Institute', uma organização internacional sem fins lucrativos que trabalha com cientistas, investidores e empreendedores para desenvolver alimentos inovadores e acelerar a inovação do setor de proteínas alternativas. O tema da pesquisa é “Estudo e Aplicação da Extração Supercrítica da Castanha-do-Brasil em Formulações Proteicas de Hambúrgueres e Nuggets Vegetais".
Legado
Para Gabriela Almeida Campos, 25, estudante de Engenharia de Alimentos na Universidade Federal do Pará (UFPA), os estudos sobre alimentos sustentáveis representam uma esperança para o futuro da alimentação mundial. “Acredito que desenvolver alimentos que respeitem o meio ambiente e valorizem os recursos locais é essencial para garantir a segurança alimentar das próximas gerações”, afirma Gabriela. Já Wendel Gaspar,28, também estudante de Engenharia de Alimentos na UFPA, enfatizou a relevância de integrar conhecimento científico e saberes tradicionais. “É fundamental reconhecer e incorporar os conhecimentos das comunidades locais na pesquisa acadêmica. Isso enriquece o desenvolvimento de soluções alimentares mais sustentáveis e culturalmente adequadas”, ressalta Wendel. Os mestrandos, assim como o resto dos alunos acreditam que a colaboração entre ciência e tradição pode levar a inovações que beneficiem tanto a população quanto o meio ambiente.