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Ananindeua 'longe' e Belém 'perto': percepções acendem o debate entre moradores

Sentidos diferentes da distância têm razões históricas, explica pesquisador

Camila Guimarães

Belém e Ananindeua são duas cidades vizinhas, com dinâmicas interligadas e intenso fluxo de pessoas que circulam, diariamente, de um município para o outro. Apesar da vizinhança, a prática de transitar entre as duas cidades parece ter uma percepção diferente para os moradores de cada local. Achar Ananindeua “longe” e Belém “perto” é um sintoma comum, presente no subconsciente coletivo, mas que já não passa despercebido por algumas pessoas.

O cobrador de ônibus, Diego Ferreira, por exemplo, há oito anos trabalha diariamente no percurso entre os dois municípios e diz notar claras diferenças de percepção e comportamento entre os passageiros das duas cidades:

“Quando eu rodava na linha Cidade Nova - Unama, o povo que ia do PAAR, em Ananindeua, para Pedreira, em Belém, elogiava que a gente chegava rápido, depois de uma viagem de 50 minutos. Enquanto quem mora em Belém parece estar acostumado a não andar de ônibus por mais de 30 minutos”, comenta.

Diego nota que moradores de Ananindeua parecem acostumados a sair de casa muito cedo para seus compromissos, enquanto moradores de Belém não têm o mesmo costume. Além disso, para ele, os primeiros parecem ter uma percepção de distância mais flexível:

Quem mora em Belém está acostumado a sair de casa às 6h50 da manhã para bater ponto no trabalho às 7h. Pessoas de Ananindeua saem quase de madrugada para fazer a mesma coisa. Quando o passageiro sai de Belém para Ananindeua, é só passar o túnel do Entroncamento, ele já começa a perguntar, a cada cinco minutos, se já chegou. É muito curioso. Parece que eles se sentem fazendo uma viagem mesmo”, relata Diego.

Para a universitária Diana Pires, de 25 anos, moradora de Ananindeua, não é só a percepção de distância que incomoda. Na sua opinião, os hábitos de deslocamento, na prática, demonstram uma grande contradição:

“Para visitar parentes ou sair como os amigos, a gente tem que ir para Belém. Quando a gente tenta marcar qualquer coisa em Ananindeua, as pessoas dizem que é longe, que é contramão, que é inacessível e demora para chegar. Mas quando elas propõem que a gente vá para Belém, elas acham acessível, fácil de chegar e perto”.

Amizade questiona as fronteiras

Os amigos Lanna Ramos e Gabriel Mota já se conhecem há quase 10 anos - ela, moradora do bairro da Pedreira, em Belém; ele, do Jaderlândia, em Ananindeua - e, durante esse tempo, não só perceberam as contradições que envolvem os deslocamentos, como passaram a questionar suas pré-concepções sobre o assunto em prol da amizade.

Gabriel conta que conheceu Lanna na faculdade que os dois cursaram juntos, em Belém, momento em que ele começou a estranhar a cultura de deslocamento que existe entre os dois municípios:

“O fato de a gente ir criando uma convivência, passando muito tempo trabalhando e estudando, fazia com que a gente quisesse sair e se distrair no fim do dia. Foi então que eu comecei a perceber que as sugestões de lugares eram sempre em Belém”, ele conta.

Lanna admite que não pensava em Ananindeua como um lugar para lazer. Ela lembra que, desde a infância, se deslocar para o município vizinho só tinha um propósito: visitar familiares em ocasiões como aniversários e datas comemorativas - concepção que mudou depois da amizade com Gabriel.

"Depois da faculdade, a gente começou a se encontrar mais na casa do Gabriel, no shopping de Ananindeua… Foi o período em que o meu irmão também se mudou para Ananindeua. Então minha ida para lá ficou muito mais frequente e Ananindeua parou de parecer longe”.

Ao avaliar o problema, hoje, Gabriel considera que essa cultura de deslocamento está enraizada nos moradores de ambos os municípios, não apenas nos de Belém:

“Eu fui entendendo que a gente, de Ananindeua, também não foi acostumado a sugerir locais aqui. Como se Ananindeua fosse vista por todo mundo como um lugar de passagem. Também acho que falta um trabalho de valorização dos espaços da cidade, de se divulgar mesmo. Porque o lugar conhecido é o shopping, mas pode haver outros lugares que a gente não conhece e que poderiam ser mais publicizados”, considera.

 

Percepções devem mudar com a metropolização, diz pesquisador

De acordo com o geógrafo Luiz Augusto Soares Mendes, pesquisador sobre geografia urbana e metropolização, essa disparidade de percepção e comportamento entre os moradores dos dois municípios têm um fundo histórico, que remonta ao processo de expansão urbana de Belém e ao início dos aglomerados urbanos em Ananindeua.

“Nesses primeiros anos, Ananindeua carecia de serviços e atividades comerciais. As pessoas que moravam lá, trabalhavam em Belém e só voltavam para casa para dormir, colaborando para o estigma de cidade-dormitório - o que passou a mudar com o processo intenso de metropolização que o município vem tendo nos últimos anos”.

Para o pesquisador, Belém ainda carrega, de forma mais consolidada, o conceito de um núcleo central, colaborando para que as intenções de deslocamento girem em torno da cidade. Entretanto, “desde quando Ananindeua passa a contar com o aumento da oferta de serviços de lazer, gastronômicos, educacionais, administrativos, bancários, e mesmo empresariais, o movimento no sentido Belém-Ananindeua começa a ser percebido, ainda que de forma sutil. Ainda assim, hoje, já é maior que no passado, e tende a aumentar”, avalia o pesquisador.

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