Treinos adaptados para crianças ajudam no combate ao sedentarismo
Estudo alerta para perda de força muscular em crianças devido ao sedentarismo e uso excessivo das telas
As atividades físicas estimulam força, coordenação motora e autonomia desde os primeiros anos de vida, contribuindo para o combate ao sedentarismo infantil. Enquanto um estudo recente conduzido por universidades brasileiras e internacionais alerta para o avanço da perda de força muscular entre crianças e adolescentes, em Belém, pais e responsáveis apostam em academias e treinos funcionais para os filhos - como forma de desenvolver habilidades físicas e motoras desde cedo.
A educadora física Larissa Rezende teve a ideia de criar um espaço para esse público ao perceber, nas experiências com adolescentes, um padrão preocupante: muitos apresentavam dificuldades motoras básicas, como sentar, empurrar e puxar. A observação levou à constatação de que faltava, na infância, estímulo à consciência corporal e ao desenvolvimento dessas habilidades. Desde então, ela se dedicou a montar treinos lúdicos e adaptados à realidade infantil, com foco em saúde, coordenação motora e socialização.
No bairro do Marco, a academia voltada exclusivamente para o público infantil funciona desde 2016, com treinos funcionais, circuitos e atividades adaptadas para estimular desde cedo o desenvolvimento motor, a autonomia e o gosto por se manter ativo. O espaço atende crianças a partir de um ano de idade — inclusive crianças atípicas — e vem ganhando a atenção de pais preocupados com os efeitos do sedentarismo e do uso excessivo de telas.
Além dos benefícios físicos, Larissa destaca a transformação no comportamento e na disposição das crianças que frequentam as aulas com regularidade. A iniciativa também vem atendendo à demanda de pais que buscam um espaço seguro e longe das telas para os filhos. “A criança usufrui de todos os benefícios: saúde, coordenação, sono de qualidade, prevenção da obesidade, melhora da saúde mental. E o mais legal é que ela nem percebe que está se exercitando, porque tudo vira brincadeira”, afirma.
Força, foco e autonomia: treinos que estimulam corpo e mente
No dia da visita da reportagem, os gêmeos de um ano do militar Mário Machado estavam iniciando os primeiros treinos. Pai também de um bebê de três meses, ele acredita na importância de criar desde cedo o hábito da atividade física como forma de cuidado com a saúde. A academia oferece acompanhamento profissional com professores especializados em infância, como Vinícius Araújo, que conduz as turmas de circuito funcional e crossfit kids.
De acordo com o educador, os treinos são pensados para respeitar as fases do desenvolvimento infantil, sem foco na estética e sem sobrecarga de peso. A metodologia inclui estímulos à força, equilíbrio, coordenação motora e autonomia. O professor também nota ganhos significativos no comportamento e no desempenho escolar das crianças. Crianças atípicas recebem atenção especial, com atividades adaptadas e foco na inclusão.
“Nosso foco é desenvolver força, equilíbrio, coordenação e autonomia, sempre respeitando os limites da idade e sem buscar estética. A força, sim, deve ser estimulada desde cedo, com os devidos cuidados”, resume Vinícius.
Com a experiência acumulada ao longo dos anos, ele relata que muitas crianças chegam com baixa força muscular, reflexo de um estilo de vida sedentário. No entanto, com a continuidade dos treinos, os avanços são visíveis: maior autonomia, confiança para brincar, concentração e funcionalidade. Para o professor, mais do que exercícios, as aulas se tornam momentos importantes de crescimento e superação.
Atleta dá exemplo
Com apenas sete anos, outro exemplo é atleta Alice Meirelles Lacerda já tem no currículo medalhas em campeonatos nacionais e vaga garantida no Pan-Americano de Karatê, que acontece em novembro. A pequena atleta, atualmente faixa azul escura, integra a seleção paraense da modalidade e iniciou sua trajetória esportiva de forma leve, por escolha própria. “Levamos ela para várias aulas experimentais, e quando conheceu o karatê, disse: ‘Papai, eu quero fazer karatê’. Desde então, não quis mais parar”, conta a mãe, Larissa Meirelles Lacerda.
Em julho, Alice participou do Campeonato Brasileiro em Natal (RN) e voltou para casa com uma prata e um bronze no peito. Segundo Larissa, o incentivo à prática esportiva sempre foi prioridade na família, mas a escolha do esporte partiu da própria Alice. A rotina de treinos, cerca de duas a três vezes por semana, trouxe benefícios visíveis no desenvolvimento da menina, que também faz balé, inglês e reforço escolar diariamente.
“Ela cresceu na estatura, ganhou força, concentração e responsabilidade. É uma criança dedicada, que dificilmente falta ao treino, só se estiver doente mesmo. O esporte transformou a nossa filha”, diz a mãe, orgulhosa. A família evita colocar pressão sobre os resultados, preferindo valorizar o processo e a diversão, com equilíbrio entre disciplina e leveza.
Larissa reforça que o exemplo da filha serve como inspiração para outros pais. Ela recomenda que as crianças tenham liberdade para escolher a modalidade com a qual se identificam, garantindo maior comprometimento e prazer nas atividades. “A Alice gosta de tudo no karatê. Outro dia ela me disse: ‘Mamãe, eu gosto do meu treino’. E isso faz toda a diferença”, relata.
A rotina puxada da atleta-mirim é preenchida com entusiasmo e energia de sobra. Para Larissa, além de desenvolver o corpo e a mente, o esporte foi fundamental para tirar a filha das telas e prepará-la para a vida com mais autonomia. “Se tem um investimento que eu acho super válido, é o esporte”, afirma.
Especialista em treinamento enfatiza reforça a importância dos treinos
A personal trainer Heloá Assunção, de outra academia, ainda explica que, quando bem orientadas, atividades como musculação leve e CrossFit adaptado são extremamente benéficas para o desenvolvimento físico e emocional dos pequenos. “Os estudos mostram que crianças que fazem treino de força podem ficar até 73% mais fortes do que aquelas que só fazem atividades aeróbicas. E, o melhor, com redução de até 68% no risco de lesões”, afirma a especialista em treinamento infantil.
Além de fortalecer músculos, ossos e articulações, essas práticas auxiliam na coordenação motora e na consciência corporal, especialmente quando adaptadas com ludicidade. Heloá explica que a perda de força muscular, chamada de dinapenia pediátrica, pode ter impactos sérios. “Crianças com pouca força têm até 30% menos densidade óssea e duas vezes mais chance de desenvolver resistência à insulina”.
A profissional alerta que os reflexos vão além do físico. “Vejo crianças com baixa autoestima por não conseguirem acompanhar os colegas nas brincadeiras. Isso pode gerar ansiedade e até evasão do esporte”, relata. Para evitar esses problemas, a dica é iniciar o quanto antes, sempre com orientação adequada. “Na nossa metodologia, priorizamos o brincar. Transformamos os exercícios em aventuras, como pular como sapos ou caminhar como caranguejos, e isso faz toda a diferença”, explica Heloá.
Ela ainda reforça que o exercício, quando bem feito, não atrapalha o crescimento. “O problema nunca foi o treino, mas o exagero e a falta de orientação. Uma criança pode ganhar força com segurança, até usando garrafas pet como carga leve. O segredo está na adaptação e no respeito ao tempo de cada um”, conclui.
*(Com a colaboração de Ayla Ferreira, estagiária, sob a supervisão de Fabiana Batista, coordenadora do Núcleo de Atualidades)
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