Perícia e imagens de segurança serão decisivas no caso de agressão a jornalistas do Grupo Liberal
A avaliação é do advogado Luiz Araújo, que acompanha a defesa dos profissionais agredidos na COP 30
Passada uma semana das agressões aos três jornalistas do Grupo Liberal, atribuídas ao prefeito de Parauapebas, Aurélio Goiano (Avante), durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 30), em Belém, o avanço do inquérito que apura o caso dependerá principalmente do resultado da perícia realizada no jornalista Wesley Costa e da divulgação das imagens das câmeras de segurança da Blue Zone. A avaliação é do advogado Luiz Araújo, que acompanha a defesa dos profissionais. Na sexta-feira (14), Ísis Bem e Vanessa Araújo foram alvo de xingamentos e ofensas de gênero, enquanto Wesley foi agredido fisicamente com um tapa no rosto durante a cobertura do evento internacional.
A violência aconteceu dias após Wesley ter registrado uma cena que chamou atenção na Green Zone: o prefeito, conhecido por seu alinhamento declarado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, conversava de forma aparentemente íntima com o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Guilherme Boulos (Psol). Wesley publicou o registro em suas redes sociais, gesto que, segundo ele, gerou grande repercussão em Parauapebas.
No dia seguinte ao registro, a assessora do prefeito procurou o Grupo Liberal pedindo que ele fosse entrevistado. A equipe aceitou. Quando Aurélio Goiano chegou ao estúdio e percebeu que a entrevista seria conduzida por Wesley Costa, recusou-se a participar, alterou o comportamento e passou a atacar verbalmente as duas produtoras, Isis Bem e Vanessa Araújo, do programa Comando Mais Liberal, apresentado por Wesley.
Resultado
Luiz Araújo afirma ainda que, após a expedição do laudo pericial, a autoridade policial deverá oficiar o Tribunal de Justiça, solicitando autorização para prosseguir com as investigações, tendo em vista o foro privilegiado do prefeito. Ele acredita que o prefeito deve ser ouvido ao longo das investigações, assim como outras testemunhas já arroladas no inquérito policial. Araújo expressou confiança no trabalho da Polícia Civil e assegurou que continuará acompanhando o caso, tanto na fase policial quanto durante a ação penal, para que “o prefeito seja responsabilizado por todas as suas condutas”.
“Nesse momento, a autoridade policial aguarda a expedição do laudo pericial por parte da Polícia Científica do Estado do Pará, para assim comprovar a materialidade do delito de lesão corporal sofrido pelo jornalista Wesley Costa. É importante frisar que são três vítimas. Wesley Costa, Isis Ben e Vanessa Araújo sofreram ataques verbais, e Wesley Costa também sofreu agressão física”, assegura o advogado ao afirmar que ainda não há mais atualizações no andamento do inquérito.
Somente assim, será possível prosseguir com o caso. “A prova da materialidade é imprescindível para dar continuidade nas investigações, somada às oitivas das vítimas e demais testemunhos que podem ser ouvidos ao longo de toda essa investigação. E a expectativa é a melhor possível. Acreditamos no trabalho da polícia, respeitando todos os direitos constitucionais do prefeito, porém a reprovabilidade da sua conduta não só no ato delituoso, como também nos atos posteriores”, declara Araújo.
O prefeito insinuou que Wesley teria cometido crimes de extorsão e outros delitos, o que o advogado negou. “O prefeito ainda fala que todos os jornalistas estão mentindo. Isso só demonstra cada vez mais o alto grau de censura e reprovabilidade da sua conduta, assim como também a sua intenção durante todo esse evento. Estamos atentos, acreditando fielmente no trabalho da polícia, e é claro, na expectativa que esse laudo pericial saia o mais rápido possível para que as investigações possam avançar”, explica Luiz Araújo.
Desafio
Segundo o jornalista Wesley Costa, o episódio gerou insegurança na equipe, mesmo em um ambiente que deveria oferecer proteção. “A gente foi trabalhar receoso. A gente está todo dia na rua, em situações diversas, fora de um ambiente controlado como a Blue Zone, e não tem esse temor. Então chega a ser contraditório que justamente em um lugar que deveria dar segurança aconteça um episódio desse”, lamenta.
Ele destacou que nunca enfrentou uma situação parecida, apesar da rotina de cobertura policial. “Nunca passei por algo desse tipo. A gente faz um jornalismo voltado para o policial e nunca fui ameaçado por facção nenhuma, pelo crime organizado, por ninguém, muito menos agredido, como foi o caso agora”, diz.
Wesley também explicou que a expectativa agora é pelo avanço do processo. Segundo ele, “foi instalado um VPI, e o Ministério Público e o Tribunal de Justiça precisam autorizar para que a Polícia Civil possa iniciar o tombamento do inquérito. Finalizado o inquérito, se ele for acusado e condenado, pode até ficar inelegível pela Lei da Ficha Limpa”. Para o jornalista, esse desfecho é importante porque “não é o que se espera de representantes, de pessoas públicas, atitudes como essa”.
Agilidade no processo
A apresentadora Ísis Bem, da Rádio Liberal +, afirmou que eles estavam em um ambiente de trabalho que deveria ser considerado um dos mais seguros do mundo e que jamais esperariam passar por aquele tipo de situação dentro de uma COP, um evento internacional com diversas autoridades. Segundo Ísis, foi um susto geral e, após o ocorrido na sexta-feira, a equipe passou a segunda-feira em clima de tensão, muito em razão da repercussão nas redes sociais. E que voltar ao trabalho na semana seguinte foi um desafio.
“As falas do prefeito logo após o incidente também nos impactaram, porque, de alguma forma, ele tentou nos responsabilizar ou minimizar o que aconteceu. Voltamos apreensivos, porque continuávamos no mesmo ambiente, debatendo as mesmas questões - que nem eram questões problemáticas; estávamos falando de COP, que deveria ser um grande espaço de diálogo entre políticos e representantes. Até porque, ao investigar nas redes sociais, vimos o comportamento do prefeito em outras situações e constatamos episódios extremos, como ele cuspindo na cara de outros jornalistas”, relata Ísis.
Sobre a expectativa com o inquérito, ela detalha: “A gente quer que a ONU agilize esse processo, que essas imagens sejam liberadas, para que possamos mostrar à sociedade e dizer: “Olha, foi isso que aconteceu”. Não foi algo mínimo, não foi pequeno. Foi isso que aconteceu com a gente. Estamos sendo colocados em descrédito por causa da violência, e o que queremos deixar claro é: essa é a postura desse cidadão, algo que já se repetiu várias vezes. E o que buscamos é justiça, o que é o certo”.
O mesmo sentimento foi compartilhado pela jornalista da Rádio Liberal, Vanessa Araújo. Para ela, relembrar as cenas vividas ainda é um desafio. Após as agressões proferidas a ela e aos outros jornalistas, Vanessa ainda precisou seguir com o trabalho no local. O que, para ela, era de extrema responsabilidade. E só depois conseguiu “digerir” o que tinha acontecido e a gravidade do que havia acontecido. “Estávamos no exercício do nosso trabalho, a gente não aguardava em nenhum momento que isso acontecesse”, frisa.
“Ele não se importa pelo fato de nós sermos mulheres. No final de semana, fiquei muito reclusa, porque pessoas ligadas a ele politicamente, eleitores e apoiadores fervorosos do Goiano, enviaram muitas mensagens para a gente. Recebemos muitos ataques no direct. A gente aguarda agora que a polícia faça o trabalho dela, né, de investigar e tudo mais. Foram muitos crimes, cinco crimes imputados a ele”, assevera Vanessa.
Responsabilização
O presidente do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Pará (Sinjor-PA), Vito Gemaque, avalia que o episódio exige, mais do que nunca, a devida responsabilização de Goiano. Ele afirma que não é a primeira vez que o prefeito agride jornalistas e comunicadores, sendo conhecido na região por ameaçar e intimidar os profissionais que exercem seu trabalho. Gemaque espera que haja uma punição exemplar ao prefeito, conforme determina a lei.
“Esperamos que a agressão contra a equipe do Grupo Liberal, dentro de um espaço internacional durante a COP 30, não seja mais um caso que fique impune contra os jornalistas e comunicadores do Pará. Infelizmente, os órgãos de polícia e justiça deixam muito a desejar quando se trata de responsabilização de agressores de comunicadores. A punição aos agressores de comunicadores na Amazônia ainda é a exceção", observa Gemaque.
Repercussão nacional
O caso também ganhou repercussão nacional, inclusive com parlamentares paraenses, em Brasília. O senador Beto Faro (PT) repudiou o ataque sofrido pela equipe do Grupo Liberal. “O que ocorreu com os jornalistas do grupo O Liberal, na COP 30 não é um episódio isolado. É a expressão de um autoritarismo que ganhou coragem nos últimos anos”, frisa o parlamentar.
“Quando um prefeito agride jornalistas dentro de um evento da ONU, não é só um ato de violência: é uma tentativa explícita de intimidar , de silenciar a imprensa, O Brasil que queremos não pode tolerar esse tipo de selvageria política travestida de valentia. A agressão ao Wesley e às jornalistas Isis e Vanessa é um ataque direto à liberdade de expressão, e isso exige resposta firme”, acrescenta o senador
Histórico da semana
Nas últimas atualizações do caso durante a semana, até sexta-feira (21), o laudo pericial sobre a agressão cometida contra o jornalista Wesley Costa ainda não tinha sido liberado. A Polícia Civil do Pará informou, na quarta-feira (19), que o procedimento tem prazo inicial de até 10 dias úteis - a contar de quando ocorreu o episódio - para ser concluído, podendo ser prorrogado conforme a necessidade das investigações. A PC manteve o mesmo posicionamento até a quinta-feira (20), quando foi solicitado um novo posicionamento pelo Grupo Liberal.
“A Polícia Civil do Pará informa que todos os procedimentos foram adotados ainda no dia do fato, como o registro do boletim de ocorrência na Seccional da Sacramenta, depoimento das vítimas, pedido de imagens e a perícia, realizada no mesmo dia. Todos esses elementos, assim como as oitivas dos envolvidos, vão compor o relatório final do inquérito policial. Em relação à perícia, o laudo tem o prazo inicial de 10 dias úteis, podendo ser prorrogado por igual período ou mais, conforme a necessidade das investigações”, detalhou o comunicado, na íntegra.
Também na quarta-feira, a Câmara Municipal de Parauapebas se manifestou após as agressões cometidas contra os jornalistas do Grupo Liberal. “Em resposta à Redação de O Liberal, a Câmara Municipal de Parauapebas vem a público afirmar que repudia todo e qualquer ato de violência, independentemente de autoria, motivação ou circunstância. A integridade física, moral e profissional de todos os cidadãos deve ser sempre preservada e respeitada”, detalhou a nota da Câmara Municipal.
E na terça-feira (18), o Ministério Público do Pará (MPPA) informou que aguarda a conclusão do inquérito policial relacionado às agressões que os jornalistas do Grupo Liberal. Segundo a nota enviada pelo MPPA à Redação Integrada de O Liberal, assim que o inquérito for finalizado e os autos enviados, um membro receberá os documentos e os analisará e tomará os devidos procedimentos.
Também em nota, a presidência da COP informou ao Grupo Liberal que “episódios que ocorram dentro da Área Azul estão sob a jurisdição da ONU”. A reportagem também solicitou um posicionamento ao Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJPA). E ainda, à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês), que é o braço responsável pela COP. No entanto, não houve retorno até o fechamento desta reportagem.
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