Pará registra mais de 4 mil falhas na assistência à saúde em um ano, diz ONA; 14 foram em cirurgias
No mesmo período, foram registrados 396.629 casos de falha em todo o Brasil. Os dados foram levantados pela Organização Nacional de Acreditação
Entre agosto de 2023 e julho de 2024, o Pará contabilizou 4.535 ocorrências relacionadas a falhas na assistência à saúde, que incluem erros de profissionais. Deste total, em todo o Estado, 14 foram erros durante procedimentos cirúrgicos. No mesmo período, foram registrados 396.629 casos de falha em todo o Brasil. Os dados foram levantados pela Organização Nacional de Acreditação (ONA), com base em informações fornecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Entre as ocorrências mais graves estão a administração incorreta de medicamentos, seja por dosagem ou tipo errados, e a realização de cirurgias em locais equivocados no corpo dos pacientes. Além disso, destacam-se casos de lesão por pressão, divididos em três tipos: contusão (lesão dos tecidos moles causada por trauma), entorse (alongamento dos ligamentos) e luxação, considerada a mais grave, em que há deslocamento do osso da articulação. Esses dados refletem a seriedade das falhas no sistema de saúde brasileiro e o impacto que podem ter na segurança do paciente.
A gerente de Operações da ONA, Gilvane Lolato, explica que as falhas relacionadas à assistência à saúde não são caracterizadas somente como erro médico. O impacto dessas falhas, dependendo da situação, pode ser muito grande. E pode aquele paciente ir a óbito. Por isso, tem que ter a consciência de que os profissionais, se eles seguirem os protocolos, as medidas preventivas, os padrões que foram estabelecidos, a gente consegue evitar. E um ponto importante é que essas mais de 4.500 falhas no Pará poderiam ter sido evitadas”, analisa a gestora.
“Quando a gente fala de falhas evitáveis, significa que existe uma barreira e uma medida preventiva, uma tarefa que deveria ter sido executada e não foi. É importante destacar aqui o impacto gigantesco para o paciente e família. Então, a gente tem que sim cumprir com os protocolos [de saúde], com os processos, justamente para evitar que as falhas aconteçam. E preparar bem os profissionais, trabalhar melhor a educação e a capacitação desses profissionais”, acredita Lolato.
Com relação à atuação da ONA, que desenvolve e gerencia padrões de qualidade e segurança para serviços de saúde, Gilvane afirma: “A ONA, na acreditação, cobra evidência de treinamento e de capacitação. E vai verificar as estratégias dessa instituição em relação a estabelecimento de padrão, de protocolos, como que essa instituição está trazendo a inovação para auxiliar no cumprimento desses processos. A ONA cobra muito das instituições, o que estão fazendo e a evidência disso”.
“E as instituições, que possam trabalhar de forma preventiva. Mas que, quando acontecer alguma falha de saúde, que se tenha a maturidade também para analisar os casos, para chamar as partes interessadas, para comunicar o que aconteceu e evitar que isso volte a acontecer. E também é importante responsabilizar as partes. Com isso, a ONA atua tanto na esfera pública quanto na privada”, acrescenta.
Caracterização do “erro médico”
Para que o “erro médico” seja caracterizado, de fato, leva-se em consideração três fatores: o dano (lesão ou morte), a ação do profissional (atendimento), além da causalidade entre estes dois primeiros fatores, como pontua o voluntário da Associação Brasileira de Apoio às Vítimas de Erro Médico (Abravem), Fernando Polastro. “A culpa (um quarto elemento que orbita a questão), geralmente ocorre por negligência, imperícia ou imprudência. Estes fatores devem ser provados pela vítima durante o processo. Ao se analisar um caso para a verificação do erro é fundamental sabermos distinguir o erro do insucesso”, explica.
“Este último geralmente decorre de falha não imputável ao médico/instituição e que depende da natural limitação da medicina, que por vezes não possibilita um diagnóstico com absoluta certeza, podendo confundir o profissional e levá-lo a uma condução não ideal. O erro médico é democrático, atingindo a todos indistintamente. No entanto, observamos um número maior de ações que têm como vítimas crianças e jovens, porque estas causam mais comoção diante de um erro do profissional/entidade de saúde”, acrescenta Polastro.
Polastro ainda completa: “A obstetrícia e a pediatria estão entre as especialidades mais acionadas na justiça. Anestesiologia, ortopedia, cirurgia plástica e mais recentemente os procedimentos estéticos realizados por profissionais de odontologia, seguem estas duas primeiras. As especialidades laboratoriais e de exames por imagem também podem ser acionadas, uma vez que erram com certa frequência”.
Processos judiciais por “erro médico” crescem no Brasil
Diante de casos de falhas médicas, o voluntário da Abravem pontua que o primeiro passo a ser adotado é buscar auxílio profissional para avaliar o caso tecnicamente no sentido de verificar se o erro realmente se caracteriza, independente do dano estar relacionado a uma lesão ou óbito. “Verificada a ocorrência do erro, é fundamental acionar os responsáveis na esfera jurídica e disciplinar”, observa.
“Primeiro, porque é seu direito procurar a justiça quando sofre um dano em consequência de um erro de outra pessoa, física ou jurídica. Segundo, porque as consequências da condenação desses profissionais/entidades têm a função didática de evitar que eles continuem agindo de forma a ocasionar danos a outros. Sem a denúncia e sem o acionamento da justiça, a tendência é que os profissionais/entidades de saúde sejam cada vez mais imperitos, negligentes e imprudentes com os seus pacientes”, reforça Polastro.
Muitos casos são judicializados. Entre 2020 e 2024, o número de processos judiciais por erros de profissionais na saúde no Brasil cresceu 158%, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Esse aumento foi ainda maior entre 2023 e 2024, com uma alta de 506%. No último ano, foram registradas 74.358 novas ações, contra 12.268 no ano anterior. Até 2024, o país acumulava 139.079 ações pendentes de julgamento, um salto de 80,5% em relação aos 77.052 casos que aguardavam decisão em 2020.
Também chamado popularmente de “erro médico”, esses processos tratam de casos relacionados a falhas na prestação de serviços de saúde, envolvendo pedidos de indenização por danos morais e materiais — classificações utilizadas pela Justiça. No setor público, os processos por danos morais somaram 10.881, enquanto os pedidos por prejuízos financeiros (danos materiais) chegaram a 5.854. Na rede privada, os números são quase três vezes maiores: 40.851 ações por danos morais e 16.772 por danos materiais.
Conselho Regional de Medicina atua para fiscalizar e prevenir falhas
Atualmente, o CNJ modificou a nomenclatura de “erro médico” para "danos materiais ou morais decorrentes da prestação de serviços de saúde", que serve para designar uma falha na prestação do serviço médico e que gera dano ao paciente. É o que explica a presidente do Conselho Regional de Medicina do Pará (CRM-PA), Tereza Cristina Azevedo. “O CRM-PA recebe todo tipo de denúncia acerca de atendimentos prestados, seja relativo à relação médico-paciente até situações que envolvem óbito”, ressalta.
Em meio a casos de falhas, “o CRM instaura o procedimento para análise do fato e julgamento conforme os documentos apresentados, podendo haver absolvição ou condenação, conforme o Código de Processo Ético-Profissional”, diz a presidente do CRM. “O CRM-PA realiza fiscalizações e palestras de educação médica-continuada para conscientização dos médicos e ampla divulgação das normas éticas”, completa.
Atualmente, os hospitais contam com protocolos de segurança para evitar qualquer tipo de falhas e erros assistenciais. “A Resolução CFM 2056/2013 determina todos os requisitos necessários para o devido funcionamento dos hospitais. A fiscalização do CRM-PA, quando encontra alguma irregularidade, realiza recomendações para adequação do local aos termos da Resolução, retornando após um período para verificar o efetivo cumprimento das mesmas”, observa a presidente do CRM.
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