O Poder Terapêutico do Crochê e Tricô: Conectando Criatividade, Saúde e Bem-estar
As técnicas manuais, quando utilizadas de forma terapêutica, podem ser especialmente benéficas para pessoas em processos de reabilitação física e mental.
Em tempos de correria, com a constante pressão por produtividade e estímulos excessivos, práticas manuais como o crochê e o tricô têm se destacado não apenas como formas de expressão criativa, mas também como ferramentas terapêuticas. Embora muitos artesãos e artesãs vejam essas atividades principalmente como fontes de renda, é cada vez mais evidente que elas oferecem uma verdadeira conexão com o corpo, com a mente e, muitas vezes, com outras pessoas.
As entrevistas com artesãs e terapeutas revelam uma importante faceta dessas práticas, a capacidade de promover o bem-estar psicológico. Para muitas pessoas, como é o caso de Acenet Andrade e Ducilene Andrade, o crochê não é apenas uma técnica, é um alicerce para lidar com desafios emocionais, como ansiedade e estresse. A própria Acenet, que aprendeu a trabalhar com manualidades desde a adolescência, descreve como o crochê e o bordado ajudaram a superar momentos de isolamento e insegurança. “Quando você está trabalhando com suas mãos, o tempo passa de forma diferente. Isso ajuda a acalmar, principalmente a mente, que fica em um constante ritmo acelerado”, comenta.
Do ponto de vista psicológico, a psicóloga Keila Dias explica que o processo de criar algo com as próprias mãos libera dopamina, neurotransmissor ligado à sensação de prazer e realização. Cada ponto de crochê ou tricô é uma pequena vitória, criando um ciclo de produtividade que alimenta o senso de competência e autoestima. Esse efeito é especialmente notável quando a pessoa começa a perceber o avanço da peça, seja ela um acessório, uma peça de roupa ou uma obra decorativa.
“Além disso, as atividades manuais favorecem a prática de mindfulness, pois exigem atenção plena no que está sendo feito. Movimentos repetitivos, como os do tricô, ajudam a acalmar a amígdala, a região do cérebro relacionada ao estresse, e induzem uma sensação de relaxamento, funcionando quase como uma meditação em movimento”, destaca a psicóloga.
As técnicas manuais, quando utilizadas de forma terapêutica, podem ser especialmente benéficas para pessoas em processos de reabilitação física e mental. A professora de Terapia Ocupacional, Ingrid Bergman, explica que o crochê e o tricô podem ser usados para trabalhar habilidades como coordenação motora fina, força muscular e atenção. “Essas atividades promovem a coordenação motora, ajudam a melhorar a memória e, especialmente, têm um impacto positivo na saúde mental”, afirma Ingrid, que aplica essas técnicas no tratamento de pacientes com lesões físicas, como os que passaram por AVCs ou sofrem de artrite.
No campo da saúde mental, essas atividades também desempenham um papel fundamental. Ao promoverem o foco e a atenção, elas ajudam a reduzir os sintomas de ansiedade e estresse. Além disso, o simples fato de produzir algo com as mãos cria um forte senso de competência e identidade criativa. Para muitas pessoas, essas práticas se tornam uma forma de autocompaixão e autossuporte emocional.
A terapia ocupacional também envolve o uso do crochê em contextos de reabilitação social. As oficinas terapêuticas, muitas vezes realizadas em grupos, promovem uma interação social que aumenta a sensação de pertencimento. Esse tipo de atividade, além de ser uma ocupação significativa, é um poderoso antídoto contra o isolamento, promovendo a conexão humana e liberando oxitocina, o hormônio do vínculo.
Porém, além de seus benefícios terapêuticos individuais, o crochê também pode ser um importante instrumento de geração de renda e empoderamento. O coletivo “Flores da Mãe Santíssima” nasceu com o propósito de gerar renda para as famílias envolvidas, especialmente em contextos de vulnerabilidade social. O crochê é o carro-chefe do grupo, que mistura tradição e inovação para criar peças modernas e acessíveis, como acessórios de moda e itens decorativos.
Lucileide Batista , uma das fundadoras do coletivo, destaca como essa prática, que antes era vista como “coisa de vovó”, ganhou novos ares e conquistou uma nova geração. “O crochê tem sido ressignificado, especialmente com a moda, e isso trouxe mais visibilidade e valorização para a técnica”, afirma. O grupo aposta na mistura do crochê com outros materiais regionais, como sementes de açaí e castanha do Pará, para criar produtos que não só resgatam a cultura local, mas também agregam valor ao produto artesanal.
Para muitas mulheres que participam de grupos como o "Flores da Mãe Santíssima", o crochê vai além da terapia e da criação; é uma forma de conquistar a independência financeira. A produção não só ajuda a garantir a renda familiar, mas também fortalece laços comunitários e permite que as participantes compartilhem suas histórias e conhecimentos com as novas gerações.
Arte e Solidariedade em Belém
Em Belém, a arte do crochê está se transformando em um grande tapete suspenso, unindo dezenas de pessoas em um projeto comunitário que promete colorir a cidade. O nome da iniciativa é Crochê a Céu Aberto, e o objetivo é cobrir cerca de 70 metros de rua com 1000 quadradinhos de crochê, feitos à mão por voluntários de todas as idades, sob a coordenação da professora e artesã Silvia Valente.A montagem do tapete suspenso será nesta segunda (10), a partir das 8h, na Rua Ocidental do Mercado entre 15 de novembro e Ver-o-Peso.
O trabalho coletivo já conta com cerca de 700 quadradinhos prontos, e a montagem da estrutura para suspender o tapete será feita na próxima segunda-feira. "É mais do que um projeto artístico, é uma forma de terapia e de geração de renda. Muitas das pessoas que participam já são crocheteiras profissionais e, além de estarem fazendo parte de uma grande ação comunitária, estão garantindo uma renda extra", explica a professora.
"Cada participante faz seu quadrado com as cores que preferir, mas todos seguem um mesmo modelo. Tem quadrados com as cores da bandeira do Pará, do Brasil, do Remo, do Paysandu, de Mocajuba e até com referências à nossa padroeira, Nossa Senhora de Nazaré", conta Silvia.
Silvia destaca que, embora a maioria das participantes seja mulher, o projeto está aberto a todos, incluindo homens e jovens. "Aqui, temos um ambiente inclusivo. O crochê é uma forma de nos conectarmos, de praticarmos a arte e, ao mesmo tempo, de nos ajudarmos economicamente", afirma.
Além de ser uma prática terapêutica, o crochê é para muitos participantes uma fonte de renda. "Tem alunas minhas que não precisam mais aprender técnicas novas, mas vêm para o grupo porque o crochê também tem um poder de cura, é um momento de relaxamento e troca", revela Silvia.
Serviço:
Data de início da montagem: Segunda-feira, 8h
Local: Rua do Comércio (próxima ao Armarinho e Ponto Cheio)
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