Qualidade de vida é desafio durante pandemia; especialistas dão dicas
Especialistas sugerem comunicação virtual, atividade física e muita reflexão na pandemia
Manter a qualidade de vida e o bem-estar na pandemia é um desafio, principalmente agora que o número de casos da doença aumentou no país. Uma das saídas que tem sido bastante utilizada pelas pessoas é a comunicação virtual, disse a psicóloga Érika Souza. “Claro que, infelizmente, não vai suscitar o conforto de um abraço nas pessoas que amamos. Mas ajuda a manter o contato, a diminuir mesmo que um pouco da saudade, traz conforto ao saber que as pessoas estão bem e a esperança de que esse momento vai passar e vai ser possível voltar a confraternizar com os amigos, familiares e todos a quem amamos”, afirmou.
As pessoas devem se manter informadas o suficiente para que não esqueçam de tomar os cuidados necessários neste momento, mas saber filtrar as informações também é importante. “O equilíbrio entre não abandonar os cuidados indicados pela ciência e, também, não abrir mão dos cuidados consigo mesmo. É possível manter atividades que você realizava antes como exercícios físicos, mas, dessa vez, em ambiente seguro como seu lar”, disse.
O cinema do final de semana por enquanto pode ser no aconchego do seu quarto, da sala de casa, seja com familiares que residam com você ou mesmo sozinho: “Muitas pessoas descobriram atividades que nunca tinham feito e que depois da descoberta as tem ajudado a aliviar o estresse como artesanato (desenho, pintura, criações). Há quem esteja aproveitando para estudar ou fazer um curso que antes não teve tempo”.
Érika Souza disse que, para cada pessoa uma saída, e há as recomendações gerais indicadas por especialistas em saúde física e mental como ter um sono regular, fazer pausas no trabalho, fazer um lanche, ir ao banheiro, alongar um pouco caso trabalhe sentado por várias horas. E praticar exercícios.
Mais: “Conversar com quem mora junto: nos tempos atuais, a correria do cotidiano é realidade de muita gente. Às vezes, mesmo morando junto com outra pessoa não temos tempo de sentar e conversar, jogar conversa fora ou mesmo acertar os pontos da relação (e isso não é exclusividade dos casais). Assistir a um filme juntos, jogar um jogo de tabuleiro ou virtual pode ajudar a estreitar os laços e reaproximar pessoas que ironicamente moram juntas mas pouco compartilham seus sentimentos uns com os outros”.
Também é importante tentar se conhecer melhor. “Como você era há alguns anos ou há alguns meses? O que mudou na sua vida, em você? Quais são os pontos positivos dessa mudança e quais você gostaria de melhorar? Vivemos tão corridos que se quer temos tempo para nós mesmos”, disse.
Acadêmico de Direito recorre à leitura e à meditação
Caio Guimarães Rodrigues, de 18 anos, recorre à leitura e à prática de meditação e exercícios leves em sua casa. “Essas três grandes atividades basicamente melhoraram muito a minha qualidade de vida durante a pandemia”, disse ele, que é acadêmico de Direito e Economia.
Morando em Belém, Caio disse que a primeira medida é a leitura. “Ler principalmente os clássicos, Filosofia. A leitura permite que a gente saia um pouco desse mundo mais caótico, da falta de controle, e permite que a gente tenha uma segunda visão das coisas”, contou.
Ele também pratica muito a meditação. “Essa coisa de acalmar a mente, se desligar um pouco desse excesso de estímulo que, muitas vezes, a gente tem”, disse. “Quando a gente fica assistindo muitas coisas, consumindo muita rede social, muita informação, a mente fica confusa. Ficar quieto, respirar, sentir o ambiente. Isso me fez um bem danado, um relaxamento incrível. Quando tu para durante um instante, respira, isso tranquiliza”, orientou.
Caio também se exercita. “Alguns poucos exercícios, até mesmo em casa. Não é aquela coisa exaustiva. É uma prática de exercício equilibrada, um polichinelo, uma flexão, tudo isso para manter o corpo ativo e não ficar em um sedentarismo absoluto”, explicou.
Ter qualidade de vida na pandemia é estar com o emocional bem
A terapeuta integrativa Érica Martins diz que a definição do que é ter qualidade de vida varia de pessoa para pessoa, pois uma mesma condição ou situação não é percebida da mesma forma e nem tem efeitos iguais para indivíduos diferentes.
No conceito da integralidade do ser humano, ter qualidade de vida vai além da condição de saúde, de uma alimentação saudável e da prática de exercícios físicos. “Pois não é só o que comemos, como nos exercitamos ou se nos sentimos doentes que define qualidade, mas em que medida entendemos e atendemos nossas necessidades físicas, mentais, emocionais e espirituais”, explicou.
“Quantas vezes você já ouviu de alguém que morreu jovem, era considerado atleta e teve um infarto fulminante? Ou uma pessoa que era bem sucedida, tinha tudo, como muita gente diz, e de uma hora para outra tirou a própria vida? Esses dois exemplos mostram que não havia qualidade de vida no sentido integral, não havia saúde de fato”.
A terapeuta integrativa disse que muitas pessoas com quem tem conversado traziam incômodos antigos, mas, como estavam sempre ocupadas, aquilo ficou esquecido. “Na pandemia, sem muitas distrações, muita gente se percebeu sozinha, sentiu mais fortemente angústias que já tinha e os conflitos internos e interpessoais se acenderam. Mas estava tudo ali, sempre, antes da pandemia. Essa é uma questão social do nosso século. As pessoas sempre estiveram ocupadas demais e preocupadas em produzir. O trabalho tomou conta vida e o indivíduo, muitas vezes, passou a se reconhecer apenas com a profissão que exerce, não olhando para si como filho, como neto, como marido, esposa, pai, mãe, amigo”.
Érica Martins diz que há uma reflexão importante a ser feita durante esse novo tempo, que é olhar para a nossa relação de controle sobre as coisas, do quanto queremos as coisas do nosso jeito e como reagimos quando a situação não é do jeito que queremos. “Tendemos a acreditar que temos controle das coisas porque o ‘modus operandi’ da sociedade nos impeliu a pensar assim - planejamento para tudo, alta produtividade, pouco tempo para si, para cuidar da alma, das emoções. Só que a covid-19 veio mostrar um outro caminho”, contou. “Há tempo para o movimento e tempo para parar de se mover, estacionar, repensar a vida e nossa relação com ela. Então, ter qualidade de vida na pandemia é estar bem em todos os sentidos, principalmente no emocional, porque é o emocional que vai abrir as portas para que o vírus se instale ou que, no caso de uma contaminação, que ele não faça tantos estragos. O que estou dizendo é tão certo que muitos jovens, aparentemente sem doenças preexistentes, em condições de saúde delicadas, perderam a vida durante a pandemia”, afirmou.
É preciso aprender a adaptar-se às mudanças da vida, diz especialista
Também há casos de pessoas hipertensas, diabéticas, cardíacas que foram contaminadas e ficaram bem sem necessidade de se hospitalizar. A terapeuta integrativa Érica Martins diz ser importante manter a mente ocupada com coisas que dão prazer. “Quando a pessoa perde prazer pela vida, ela adoece. Como eu já disse, as emoções enfraquecem o corpo sobremaneira. Então, não é só aquela doença que o médico não identificou uma causa que é considerada uma doença psicossomática. Toda doença é resultado de um conflito interno, com exceção daquelas causadas por um acidente, por exemplo”, disse.
Por exemplo, se a pessoa é muito raivosa e guarda muita mágoa, o fígado e a vesícula biliar vão sofrer. “Por causa do fígado e vesícula, a pessoa também terá problemas nos olhos, unhas, nervos, articulações e no sistema reprodutor feminino. O ser humano não é compartimentado como a gente se acostumou a ver. Somos integrais”, afirmou.
A segunda coisa que ela diz ser importante é entender que nenhum sintoma é maligno, mas que é uma resposta natural do corpo diante de um impacto, um conflito que está sendo percebido no nível do inconsciente do indivíduo e que o corpo traz à tona para que o problema seja resolvido porque já está demais para aquela pessoa. “Sei que é uma visão diferente, mas vivo isso na prática com as pessoas que me procuram e comigo mesma. Quando a gente entende o que o corpo quer dizer, a gente se ajuda na cura”, disse.
Ela também fala da “grande lição” da covid-19 - aprender a adaptar-se às mudanças da vida. “Mudar nossa percepção sobre as coisas entendendo que não somos vítimas das mudanças. As mudanças fazem parte da vida, são normais. A gente nasce de um jeito e envelhece. Não somos os mesmos, a vida tem ciclos. De repente, temos que mudar de profissão porque o mercado mudou, ou porque não estamos mais felizes com o que fazemos. E se você pensou agora que é fácil dizer e difícil fazer, vou dizer que você está certo. Não é fácil, mas é necessário. Mas, quanto mais olhamos para o lado difícil e para o que estamos perdemos, e menos enxergamos o que de bom pode advir da mudança, mais sofremos. A gente não controla os acontecimentos, mas podemos decidir como vamos reagir a eles. Mudar a percepção sobre o fato reduz o impacto dele na nossa saúde física, emocional e espiritual”, detalhou.
A quarta coisa é buscar autoconhecimento para entender o que está acontecendo dentro de você. “Outra grande lição dessa pandemia foi que muita gente teve que conviver com a própria companhia por mais tempo. Quando a gente não se suporta, fica difícil suportar o mundo. Então, entender o seu temperamento, como suas emoções se manifestam no seu corpo físico é fundamental. Para isso, existem profissionais no mercado que podem ajudar nessa compreensão. Negar que o problema existe não ajuda, só faz com que a montanha de conflitos cresça e se agrave até o ponto de uma depressão ou crise de pânico. Se a pessoa não pode pagar por uma terapia, as redes sociais podem ser grandes aliadas. Há canais e perfis de autoconhecimento que dão dicas e apontam caminhos. Eu mesma tenho me dedicado a isso no meu perfil @escutaocorpo, no Instagram. A informação é de graça e valiosa”, disse.
Também é importante alimentar a mente de coisas boas e replanejar-se. “Consumir informação excessivamente sobre a pandemia não vai ajudar em nada, a menos que você seja um jornalista e precise escrever sobre o assunto diariamente. A gente nutre a mente e a mente produz o resto - ou seja, medo, pavor, desesperança ou esperança a partir do que se consome de informação. A informação é alimento não só para a mente, como para a alma. Isso tudo vai refletir na saúde mental e emocional. Use o tempo para replanejar a vida olhando sobre o que pode ser feito e não sobre o que você poderia ter feito sem uma pandemia”.
Se o cinema está fechado, invista em séries que façam rir, que tragam conhecimento, que dêem prazer para a vida, digo de novo. “Leia livros de seu interesse, faça diferente, permita-se viver o novo. Não é porque você está dentro de casa que precisa viver no marasmo. Dá para fazer coisas diferentes se você não achar que é uma vítima disso tudo. Não é que não sejamos, mas vitimizar-se não ajuda em nada”, disse.
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