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Cordões de identificação ampliam visibilidade e respeito a pessoas com deficiências ocultas

Os colares de girassol, infinito, quebra-cabeça e vários outros representam condições de saúde ou necessidades especiais

O Liberal

Os cordões de identificação passaram a ser instrumentos de acessibilidade e inclusão que ganham cada vez mais espaço na sociedade. Muito além de um acessório, eles funcionam como colares que sinalizam condições de saúde ou necessidades especiais, permitindo maior compreensão e garantindo atendimento adequado em ambientes públicos e privados.

A utilização do cordão de girassol foi formalizada pela Lei 14.624/2023 para identificar pessoas com deficiências ocultas, como autismo, TDAH e surdez. Além dele, existem também o cordão de quebra-cabeça, que representa o autismo, e o cordão do infinito, associado à neurodiversidade. O assunto voltou a ganhar destaque recentemente quando o jornalista Evaristo Costa compartilhou nas redes sociais que passou a utilizar o cordão de girassol após ser diagnosticado com a doença de Crohn, uma condição autoimune crônica que afeta o trato digestivo.

Desafios

Em Belém, várias pessoas também passaram a fazer o uso dos cordões para identificar condições de saúde. Diagnosticado com transtorno do espectro autista, o universitário Felipe Vilhena, de 21 anos, contou que começou a usar o cordão de identificação para facilitar o reconhecimento por parte de quem convive com ele. “Por uma certa praticidade de carregar a minha identificação caso precisasse apresentar. O cordão facilita em alguns estabelecimentos preparados para atender pessoas com deficiência, mas ainda é pouco reconhecido em espaços públicos”, diz.

De acordo com o estudante, uma das principais dificuldades está no fato de poucas pessoas saberem o que significa. “Quando usei a primeira vez, eu senti algo diferente, achei que as pessoas iam julgar, mas com o tempo vi que não fez tanta diferença assim. No dia a dia, quase ninguém reconhece”, relatou. Felipe lembra que, em sua rotina, poucas vezes o cordão foi suficiente para garantir prioridade, como em ônibus. “Teve uma vez dentro do ônibus que a pessoa reconheceu, mas foi na catraca do ônibus. Fora isso, poucas pessoas sabem do que se trata”, relatou.

Na universidade, o estudante também enfrenta falta de compreensão. Muitos colegas pensaram que o cordão fosse um crachá de trabalho. “Tive que explicar que era porque eu sou autista. Só professores com parentes autistas entenderam”, contou. Para ele, campanhas de conscientização em larga escala são fundamentais para mudar esse cenário: “Falta instrução. Uma campanha pública teria muito mais alcance do que perfis isolados nas redes sociais. É preciso mostrar para um público maior do que se trata”, afirma.

Liberdade 

O estudante Willian Andrey Rodrigues Alves, de 27 anos, que tem paralisia cerebral, afirma que o cordão trouxe mais liberdade e autoestima. “Ao longo da vida, sempre enfrentei discriminação, pois antes usava muletas e cadeira de rodas. Quando passei a usar o cordão, me senti liberto de alguns tabus da sociedade”, aponta.

Segundo ele, essa liberdade está ligada também ao sentimento de autonomia. “Com o cordão, não preciso justificar a todo momento a minha condição. Ele fala por mim em muitas situações, e isso me dá mais tranquilidade. É como se eu pudesse andar com mais leveza nos espaços públicos, sabendo que tenho esse direito assegurado”, destacou. Willian acrescenta ainda que o uso do símbolo o ajudou a se sentir mais seguro em ambientes que antes lhe causavam receio: “Hoje consigo circular com mais confiança, sem tanto medo dos olhares de julgamento. É um passo importante para viver com dignidade.”

Apesar disso, Willian observa que o desconhecimento ainda é grande. Ele reforça que campanhas públicas, educação sobre o significado dos símbolos e diálogo aberto são caminhos essenciais para reduzir o preconceito e garantir que os cordões cumpram sua função de inclusão. “Muitos confundem o cordão de girassol como se fosse exclusivo para o autismo. Já passei constrangimento em shopping e até nas redes sociais, onde me perguntam: ‘Qual é a tua deficiência? Você não aparenta ter’. Não tenho problema em responder quando a pergunta é feita com educação. E é dessa maneira que deve ser tratada, com educação e respeito”, contou.

Willian destaca que o cordão não elimina o capacitismo, mas ajuda a reforçar direitos e acessos. “Ele traz liberdade. Quando você compreende sua condição e começa a utilizar o cordão, você vai se adequando às vivências e ganha autonomia. Mas ainda falta diálogo. Se a pessoa não entende, o mínimo é perguntar com educação. Isso já é um primeiro passo para a conscientização.”

O estudante também ressalta que o cordão pode servir como ponte de empatia. “Muitas vezes, quando alguém me aborda para perguntar sobre o cordão, abre-se uma oportunidade de conversa. É nesse diálogo que a gente desconstrói preconceitos e mostra que as deficiências não são apenas o que se vê. Essa troca ajuda a sociedade a compreender melhor nossas vivências”, ressalta Willian.

Ele reforça ainda que, ao longo do tempo, percebeu uma mudança em algumas interações. “Já encontrei pessoas que, ao reconhecer o cordão, me trataram com mais respeito e até ofereceram ajuda. Isso mostra que, mesmo que devagar, a informação está chegando. É sinal de que o cordão, além de um símbolo, é também um convite à consciência coletiva”, encerra o estudante.

Direitos

Flávia Marçal, presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Deficiência da OAB-PA, reforça a importância do uso do cordão como medida para garantir direitos. “O uso do cordão de identificação é uma medida muito necessária para assegurar que pessoas com deficiências ocultas tenham seus direitos respeitados”, afirmou. Ela explica que essas deficiências são aquelas que não são visíveis à sociedade, como autismo ou TDAH, ao contrário de deficiências físicas evidentes.

Segundo Flávia, o cordão de girassol e a fita de quebra-cabeça são os mais utilizados. “Esses cordões não só são permitidos por lei, mas também incentivados, porque promovem acessibilidade e inclusão”, disse, destacando que o cordão de girassol foi previsto na Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) e regulamentado para deficiências ocultas em 2023, enquanto a fita de quebra-cabeça é prevista pela Lei Berenice Piana (Lei 12.764/2012).

Ela ainda observou que, embora pessoas com neurodivergências como TDAH, dislexia ou discalculia usem o cordão, isso não garante os mesmos direitos que pessoas com deficiência. “É importante sinalizar corretamente, porque o desconhecimento pode gerar constrangimentos e dificultar o acesso a direitos, como atendimento prioritário”, explicou.

Flávia enfatizou também que uma das funções dos cordões em ambientes públicos e privados é evitar preconceitos. “Eles ajudam a combater o capacitismo e a discriminação, garantindo que pessoas com deficiências ocultas tenham seus direitos respeitados em escolas, cinemas e outros espaços. É uma forma de facilitar o entendimento sobre suas necessidades e promover inclusão de forma prática e legal.”

A presidente da Comissão da OAB-PA concluiu ressaltando a importância da conscientização: “A Ordem dos Advogados do Brasil tem atuado para mobilizar e disponibilizar esses cordões, mostrando que eles são não apenas símbolos, mas instrumentos de garantia legal. A conscientização é fundamental para que cada vez mais instituições adotem essa prática e respeitem os direitos das pessoas com deficiências ocultas”, finalizou.