Compostagem é solução para descarte inadequado de resíduos do caranguejo em Bragança (PA)
Projeto propõe transformar resíduos em adubo orgânico de alta qualidade - e converter problema ambiental em fonte de renda para comunidades
Resíduos do beneficiamento do caranguejo podem virar fonte de renda para comunidades extrativistas de Bragança, no nordeste do Pará. Um projeto experimental desenvolvido no IFPA, resultado de uma parceria entre a Universidade Federal do Pará (UFPA) e o Instituto Mamirauá, mostra que a casca do caranguejo, descartada após o beneficiamento da massa, pode ser base para a produção de adubo orgânico de alta qualidade.
A utilização da casca de caranguejo como insumo para a compostagem não é exatamente uma novidade. A inovação no projeto de Bragança é justamente o processo de produção, que permite escalar, dentro das comunidades, a conversão dos resíduos em composto orgânico destinado à venda direta, como insumo agrícola, ou para a utilização pelas famílias envolvidas na produção de hortaliças e frutas.
O projeto instalou, no IFPA campus Bragança, uma unidade experimental de beneficiamento de resíduos de caranguejo e da ostreicultura. Uma miniusina de compostagem capaz de processar mais de uma tonelada de resíduos por mês.
Construída com recursos de um projeto encabeçado pelo Instituto Mamirauá, a estrutura é um modelo a ser replicado nas comunidades onde o caranguejo é base da economia local: inicialmente serão contempladas as comunidades do Caratateua e Vila do Treme, em Bragança, e do distrito de Fernandes Belo, em Viseu.
A unidade experimental conta com três baias para compostagem integradas a um sistema de coleta de chorume, e uma baia de secagem de resíduos de caranguejo. O projeto também conta com uma área de produção e teste do adubo em hortaliças, integrada a uma estufa.
Mulheres que trabalham no beneficiamento do caranguejo na comunidade do Caratateua visitaram a unidade experimental do IFPA no dia 17 de novembro e puderam conhecer de perto as etapas de processamento da casca do caranguejo, da secagem, em uma baia isolada, até a trituração e mistura nas baias de compostagem. O resultado é uma terra preta rica em nutrientes, um composto 100% orgânico e agroecológico.
Resíduos do caranguejo gera impacto social e ambiental
O resíduo do beneficiamento do caranguejo gera uma série de problemas para as comunidades - o descarte inadequado próximo às casas incomoda pelo mau-cheiro, atrai insetos e contamina o solo. Sem destinação adequada, a "ossada do caranguejo" - termo usado pelos catadores de Bragança - vira um problema, aponta o professor do IFPA Keber Junior, pesquisador responsável pelo projeto no Instituto Mamirauá. "O descarte inadequado gera impactos ambientais e sociais nessas comunidades. O projeto aponta um caminho, uma solução viável", sinaliza Keber.
O descarte da carapaça do caranguejo no próprio manguezal também é um problema - e pode afetar a manutenção do ecossistema. Dentro do manguezal, durante a captura, alguns catadores optam por descartar a cabeça do caranguejo para transportar apenas as patas para o beneficiamento - diminuindo o volume a ser carregado de volta.
O lixo que fica no mangue se acumula e afeta a manutenção da vida do próprio manguezal, ao inibir a reprodução das espécies que utilizam o ecossistema como berçário, explicou a professora Marileide Alves, do curso de Pesca da Universidade Federal do Pará (UFPA), campus universitário de Bragança, durante a visita guiada dos moradores do Caratateua à unidade de processamento experimental, instalada no Quintal Agroecológico do IFPA, aberta à visitação de produtores da região.
O que ia para o lixo vira alternativa de renda
O processo de beneficiamento dos resíduos do caranguejo para a produção de adubo orgânico leva em média 120 dias. É o tempo necessário para converter o material que antes ia para o lixo em matéria orgânica rica em nutrientes e pronta para ser utilizada na produção agrícola.
O sistema de compostagem apresentado às comunidades envolve etapas de secagem e de mistura do resíduo com matéria orgânica - folhagens, papelão e esterco de animais das próprias comunidades-, além de um acompanhamento de temperatura e umidade para que o processo seja eficiente.
Para acelerar a decomposição da matéria orgânica, é utilizado um inoculante, um líquido produzido com fungos e microorganismos, cujas etapas de produção agroecológica são ensinadas na própria comunidade.
O resultado, aponta o professor Gerson Barros, do curso de Gestão Ambiental do IFPA campus Bragança, é um composto 100% orgânico, livre de aditivos químicos e rico em nutrientes. “O composto que pode ser produzido nessas unidades tem alta qualidade e é livre de aditivos químicos”, destaca o professor Gerson, que é engenheiro agrônomo e doutor em Ciência do Solo. O interesse sobre esse tipo de composto é maior justamente por ser agroecológico.
A professora Silvana Gomes, coordenadora do projeto pelo IFPA, desenvolve técnicas de compostagem há pelo menos 5 anos no Campus Bragança utilizando diferentes substratos. A farinha feita com a casca do caranguejo teve excelentes resultados com diversas culturas, entre elas as hortaliças. Além de ser usada na compostagem, a farinha do caranguejo pode ser usada como corretivo de acidez do solo. Em Bragança, estão em andamento pesquisas sobre o uso do composto a base de caranguejo de culturas que vão do alface e cheiro verde até o cultivo de morangos e uvas. Os projetos são conduzidos por estudantes dos cursos do IFPA.
"Em vez de comprar na loja, o produtor pode produzir em casa, na própria comunidade, o adubo que vai utilizar na sua horta", diz a professora. O custo, aponta a pesquisadora, é mínimo - e o retorno é máximo. "Eles podem tanto produzir para vender esse composto orgânico como utilizar na sua própria produção, ganhando com a venda do que plantam".
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