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Barreirenses movimentam produção de cerâmica em Icoaraci

As mercadorias abastecem Belém e os municípios do interior do Estado do Pará

Dilson Pimentel

Sob a chuva, John Roosevelt e mais dois amigos chegam de canoa em um porto no bairro do Paracuri, em Icoaraci, distrito de Belém, trazendo argila (barro). Eles colocam o material em um carrinho de mão de madeira, levando-o até uma olaria, onde a argila será limpa. Essa é uma das etapas da cadeia produtiva do artesanato, cujas mercadorias abastecem Belém e municípios do interior do Estado. A argila é a matéria-prima para a produção das peças de cerâmica. E o trabalho dos barreirenses, como são chamados os trabalhadores que extraem o barro do mangue, é fundamental para o bom funcionamento dessa cadeia produtiva.

Dependendo da maré, eles vão para o mangue às 5 da manhã. Ou, então, mais tarde, às 8h. E saem em canoas. Em cada uma dessas embarcações vão de três a quatro homens. E, usando pás e outras ferramentas, retiraram a argila em um local que chamam de "barreiro". A reportagem acompanhou a chegada de John e de seus companheiros de trabalho. Ele tem 56 anos e começou essa atividade aos 7. Saíram às 8h da manhã e retornaram às 11h. Chovia bastante.

Em seguida, retiraram da canoa  aproximadamente 90 "bolas" (blocos) de argila. Cada bola pesa em torno de cinco quilos. Chegando na olaria, esse material é limpo. São retiradas inicialmente as raízes das árvores. A argila, então, é colocada em uma máquina. É o "amassador". As "bolas" e o barro saem da máquina em formato de barra (tablete), sendo, deixado, em seguida, nos locais onde será devidamente trabalhado e transformado em artesanato.

Francisco Xavier, 56, extrai barro há 30 anos e integrou um outro grupo de barreirenses que, naquele dia, foi para o mangue. "Saimos às 8 da manhã e voltamos 11 horas. A gente tira em uma área do Tapanã. A gente traz para cá (para a olaria, que fica na travessa Soledade, no Paracuri). Aqui, vai ser feita a limpeza. Tirar a raiz para poder passar na máquina. A gente amassa, para poder entregar na freguesia. Depois, a gente entrega nas cerâmicas", disse. "Sempre gostei de trabalhar com isso. Tem que dia que a gente começa 4, 5 horas da madrugada", contou, enquanto jogava cinzas no carrinho de mão. "É para para não grudar a argila. Agora, vamos almoçar. E voltamos à tarde para amassar o material", explicou.

Produção é vendida para o interior

Na cerâmica ao lado dessa olaria, a reportagem encontrou Antenor Nogueira Viegas, de 57 anos. Ele é oleiro, o profissional que dá vida ao barro. E tem 30 anos de profissão. Usa um torno para fazer a peça. Ao toque de suas mãos, a argila vai ganhando forma.

Ele leva cinco minutos para produzir uma peça. E, em média, faz 100 por dia durante uma manhã de trabalho. "Aprendi com o meu pai. Vem de família", contou. Esse trabalho requer habilidade e atenção. Enquanto Antenor faz esse trabalho, Daniela Viegas, 34 anos, que há três anos trabalha naquele mesmo espaço, pinta uma peça. Nessa cerâmica, a especialidade dos trabalhadores é fazer cofrinhos (para colocar moedas). "Primeiro, eles (os barreirenses) retiram a argila do mangue e fazem a limpeza no amassador. E, do amassador, eles levam para as cerâmicas. O barro já limpo. Aquela barra (tablete). Aqui, a gente tem o oleiro. O oleiro amassa o barro novamente para retirar as impurezas, os pedaços de árvores. O oleiro é que fabrica a peça. Faz nascer a peça", disse. "E, depois da peça pronta, tem que esperar secar. O tempo (para secar) depende do sol. A quentura é que vai secando. E, quando tá seca, vai para o forno, para queimar. Aí, queima e, depois, passa para a pintura", disse ela, enquanto pintava cofrinhos em forma de porquinhos. Outras cerâmicas produzem outros tipos de peças, entre os quais vasos e canecas de times de futebol.

Daniela é filha do artesão João Santos, que tem 55 anos e trabalha nesse ramo desde os oito. "Eu enforno, desenho, passo verniz nas peças. Era do meu avó, passou para o meu pai, que faleceu, e depois passou pra mim", contou João. Ele disse que sua produção - que pode chegar a mil peças semanais, dependendo da quantidade de aterro extraída pelos barreirenses - é vendidas para os sacoleiros. "Os sacoleiros compram diariamente, de pouquinha peça, e revendem na rua, nas lojas, mais na rua. Sai quase 50% mais barato (para eles)", contou. 

A produção abastece Belém e cidades do interior. "Eu só faço cofre. São cinco tipos: porquinho, botijãozinho, abobrinha, moranguinho, coquinho", explicou João. A unidade custa R$ 4,00. Mas, se comprar 12 peças, sai cada uma a R$ 1,80. O vendedor José Carlos Oliveira, 52 anos, comprou peças na cerâmica do artesão João Santos. O material foi levado para Vigia, no nordeste paraense. "Comprei uma faixa de umas 500 peças. Mês a mês faço isso. Vendo na Vigia, no Tauá (cidade perto de Vigia), vai espalhando. Eu vendo para as lojas. Faço isso há uns dez anos", disse. "Estou comprando peças pequenas. Tudo vai dar mais ou menos R$ 500. Agora, já baixou um pouco o preço do barro. Cada peça sai de R$ 1,50 a R$ 2. Lá, vendo por R$ 2,50, R$ 3,00", completou. 

Houve, de fato, um reajuste no preço do produto. É que a produção das peças ficou parada durante um certo tempo depois da morte, em novembro de 2018, de Osmair Pereira Monteiro, o Gitão, 42 anos barreirense baleado durante uma ação da Polícia Militar, que pretendia pretender traficantes que atuam na mesma área onde os trabalhadores retiram argila do mangue. Outros três inocentes foram baleados na mesma ação, mas sobreviveram. A morte de Gitão revoltou os moradores de Paracuri, que realizaram protestos à época. O caso é investigado pela Polícia Civil.

Trabalhadores ainda temem voltar para o mangue

Com isso, os trabalhadores ficaram com medo de retornar ao mangue. Agora, aos poucos, a atividade está sendo normalizada. Muitos trabalhadores, porém, ainda têm receio de voltar para o mangue. Daniel de Oliveira, 34 anos, que pinta a cerâmica, disse que a produção de artesanato voltou aos normal aproximadamente dois meses após a morte de Gitão, que era uma pessoa muita querida na comunidade. "Foi ruim pra gente. A nossa produção diminuiu bastante porque eles (os barreirenses) pararam. Em vez de pegar 30 bolas (de argila) por semana, pegava 10. Aí, quebrava a produção. Ficou ruim até eles voltarem", contou. 

O resultado foi o aumento do preço da argila. "Era R$ 3,50 a barra. E aumentaram para R$ R$ 5. Agora, já está normal. Para compensar, também aumentamos o valor as peças. O cofre e a caneca, que custavam R$ 4,00, agora saem por R$ 5,00 a unidade", explicou Daniel, que tem 12 anos de profissão. É que, sem a argila, não há produção de artesanato. Na travessa Soledade, em Icoaraci, onde ficam as olarias e cerâmicas, há muitas lojas de artesanato, movida, portanto, pela argila extraída pelos barreirenses.

E, até a peça chegar às lojas, há toda uma cadeia produtiva. Isso envolve, por exemplo, os oleiros, que fazem os vasos. Há os desenhistas, que desenham escudos de clubes de futebol e motivos marajoara nas canecas. Há os boleiros, que limpam a argila pra deixá-la pura. Há os queimadores de forno, que queimam as peças. Há, também, os pintores de peças. E os carroceiros, que levam lenha para os fornos.