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Banho de cheiro de São João mantém tradição de 59 anos no Jurunas

Comunidade produz 1.500 litros de banho de ervas distribuídos para todos os participantes e visitantes

Vito Gemaque

A rua enfeitada com fitinhas coloridas é marcada pela música e pelo forte aroma das ervas amazônicas na passagem Marcílio Dias, localizada na rua Cesário Alvim, no bairro do Jurunas. O tradicional banho de cheiro de São João, distribuído todos os anos no último dia dos festejos do santo católico, marca um momento simbólico e afetivo para a comunidade. Há 59 anos, a tradição se repete, atravessando gerações. Nesta terça-feira (24/06), foram produzidos 1.500 litros do banho, distribuídos a partir das 6h para os visitantes.

A manifestação cultural e religiosa reúne alegria, agradecimentos e pedidos entre os moradores. A dona de casa Gilcecleia de Almeida Soares, de 48 anos, participa do banho desde quando estava na barriga da mãe. “É renovação todo ano. São 49 anos que participo. Ano que vem fará 60 anos [de festa]. Mais tarde tem mais, quando é o encerramento que, se Deus quiser, será com chave de ouro”, assegura.

A festa começou com três irmãs chamadas Maria. As matriarcas da família, naturais de Abaetetuba, trouxeram consigo para o Jurunas o tradicional banho de cheiro que ofereciam aos filhos e netos. Maria Izabel, Maria Valdomira e Maria da Conceição fundaram, junto com os filhos, o Terreiro das Três Marias e organizaram a festa em homenagem ao santo. Ao longo de quase seis décadas, o festejo cresceu, envolvendo toda a comunidade.

Gilce, como é conhecida na vila, fez seus pedidos pela saúde dos moradores. “Neste momento pedimos muita saúde. Na comunidade tem muita gente doente. Tem criança e adulto internado. A gente pede muita saúde, que São João Batista dê a saúde deles todinhos, junto com Nossa Senhora de Nazaré, que veio aqui ontem. Isso é a nossa esperança, porque sem a saúde a gente não é nada”, afirma.

O festejo tem início com atividades religiosas no começo do mês e segue por vários dias, com novenas realizadas pelo bairro e nas casas da passagem Marcílio Dias. Durante a quadra junina, é levantado o mastro do santo na entrada da vila. No dia 23, a imagem peregrina de Nossa Senhora de Nazaré visitou o local, onde foi celebrada uma missa que reuniu centenas de pessoas. Após a cerimônia, a comunidade realiza uma festa com o objetivo de arrecadar recursos para financiar as atividades e os custos do banho de cheiro.

Nesta terça-feira, a programação começou com o Terço da Alvorada, às 6h, seguido da distribuição do banho de cheiro para todos os presentes. A organização estimou que cerca de 500 pessoas participaram do ritual durante o dia.

Uma das organizadoras, Darlene Brito, de 35 anos, neta das fundadoras, ressalta os sentimentos que movem o evento:

“É muito amor. A gente tem muito amor pela festividade. Cada ano que passa fica mais difícil porque todos os custos saem dos nossos bolsos, com ajuda de vizinhos e amigos. Não temos patrocínio. Como é uma herança familiar, não deixamos acabar. Vamos completar 60 anos, principalmente no ano que vem”, conta.

Para ela, os desafios e obstáculos valem a pena. A organização envolve mais de 100 pessoas, divididas em grupos administrativos, operacionais, de ornamentação e religiosos.

“Foi maravilhoso, apesar de toda a dificuldade de ter que arcar com tudo. Todas as noites foram com muito público e fartura. A comunidade está cada vez mais fazendo a festividade não só da nossa, como de outras. Vêm pessoas de outros lugares do Jurunas, da Cidade Velha, de longe”, relata.

A dona de casa Nazaré Barbosa, de 58 anos, também envolvida na organização, relembra o início de tudo:

“Eu lembro que morava na casa atrás da minha avó, onde tinha um poço. Ela fazia os banhos e, às cinco horas, começava a bater panela para a gente vir tomar banho na beira do poço. Meu tio colocava a vitrola, a gente tomava os banhos e dançava”, relembra.

O banho é preparado na véspera pelos diversos descendentes das Três Marias fundadoras. Eles preparam mais de 10 tipos de ervas e raízes, além de essências aromáticas. Cortam, maceram e misturam tudo em milhares de litros de água.

“Quando chega essa época é um momento de muita emoção, porque tem muita história. Muita coisa envolvida. É uma coisa que ficou para marcar a nossa vida. É muito gratificante continuar com essa missão. Elas sempre pediram para nunca deixar acabar com essa festa, porque é muito bonito. Vêm pessoas de todos os lugares”, detalha.

Segundo Nazaré, o banho atrai boas energias quando as pessoas estão com pensamentos positivos. Com o encerramento da edição deste ano, a organização já planeja a festa de 2026, quando o tradicional festejo completará 60 anos.

“Vamos começar a nos preparar para o próximo ano. Terá uma preparação muito boa. Como todos os outros anos, será bem bonito”, assegura.