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Alimentação saudável não precisa ser restritiva, diz especialista

E para se alimentar bem, é preciso excluir todos os alimentos industrializados? Segundo o nutricionista Fernando Leite, essa visão já não se encaixa mais com os dias atuais.

Fernando Assunção* e Ayla Ferreira**

Comidas cheias de afeto, cuidado e muito nutritivas. As memórias de infância da nutricionista Milena Miranda de Miranda carregam a lembrança do pai preparando pratos com calma, atenção e amor. Nas reuniões em família, o patriarca, que sempre foi bom cozinheiro, preparava as comidas típicas paraenses para os encontros em família, ensinando que cozinhar é um ato de carinho. Assim, Mariana passou a enxergar o valor da comida ‘simples’, feita com os ingredientes do dia a dia, mas ainda assim saborosas.

É no período de julho, com o início das férias escolares e o auge do calor amazônico, que cresce a procura dos paraenses por uma alimentação prática e saudável, como a de Mariana. A alimentação do Pará oferece uma rica var​iedade de alimentos que podem, e devem, ser consumidos, pois são fontes de nutrientes essenciais para o bem-estar humano. O peixe assado ou cozido, o açaí, a tapioca, e frutas nativas como bacuri, muruci e taperebá, são ótimas pedidas para a época do ano.

E para se alimentar bem, é preciso excluir todos os alimentos industrializados? Segundo o nutricionista Fernando Leite, essa visão já não se encaixa mais com os dias atuais. “Antigamente, a visão de alimentação saudável era altamente restritiva, sem adição de nenhum industrializado. Hoje a gente chama de estilo de vida e não alimentação, onde tem a inclusão de todos os alimentos e você não precisa mais ter uma alimentação sem nenhuma abertura”, explica.

A principal diferença entre os alimentos mais naturais e os industrializados está no chamado ‘Shelf Life’ (tempo de prateleira), que define o tempo que uma determinada comida estará nas prateleiras dos supermercados. No caso dos industrializados, há uma adição de compostos que aumentam o tempo de vida. “O grande problema é que são ricos em sódio, conservantes, muitos deles são antinutricionais. Além de não trazerem nenhum benefício, ainda podem abalar a saúde”, explica.

Para Fernando, o maior problema não são os industrializados, e sim os ultraprocessados, que não apresentam a característica de novo alimento. Um exemplo seria a batata para uso em fritadeiras elétricas, que, segundo o nutricionista, “dá para identificar que é original, que é a batata”. Ele explica que, no caso de salgadinhos prontos de saco, “esses são 100% industrializados e misturados com muitos produtos, você tem 20 ingredientes para fazer uma batata frita industrializada”.

“A chave de hoje é o equilíbrio, você tem a adesão de um ultraprocessado, um processado e a adição de um alimento natural. A gente que mora aqui na região norte tem a tendência a mais de beber produtos naturais. Nossa culinária já traz isso”, afirma.

​Culinária paraense ajuda a manter a saúde em dia

Uma das memórias mais marcantes de Milena Miranda de Miranda é com o tradicional “avuado”, prato típico paraense. “O açaí do interior, grosso, do jeito que a gente precisa comer com colher. Lembro de tomar com farinha de tapioca e peixe frito, sentada em uma cadeirinha de criança com meu pai, rindo e conversando. Para mim, o açaí carrega tudo isso: saúde, sabor e afeto. É alimento e memória ao mesmo tempo”, lembra.

“A nossa população, quando a gente compara com outros grupos alimentares de outras regiões, a gente traz uma melhor qualidade”, diz o nutricionista Fernando Leite. Ele afirma que a região possui uma fartura de alimentos, e as demandas são maiores ou menores dependendo da safra. Apesar do Norte também ter frutas sazonais, a alimentação ainda é mais natural e mais crua.

“Podes ter uma pessoa que toma açaí batido na hora, é fruta. Você ainda traz muito mais a fruta mesmo nas opções de alimentação. Existem outras regiões no mundo que a gente chama de desertos nutricionais, principalmente na América do Norte. Lá existem regiões onde você não encontra frutas. Nutricionalmente falando, você não tem fome, mas você tem nutricionalmente regiões desérticas. Isso a gente não encontra aqui na nossa região”, pontua.

Além disso, alimentos considerados mais ‘simples’, como arroz, frango, salada e açaí, são exemplos de alimentação saudável quando comparado com outras regiões, especialmente quando comparados com outras regiões do mundo. “Lá, a gente tem uma alimentação de fast food, junk food, industrializada e muitas vezes enlatadas, como no caso de países mais frios, que são resquícios da Segunda Guerra”, explica o nutricionista. “Não quer dizer que nada é permitido, tudo é, contanto que a gente tenha certas atenções”.

Escolhas saudáveis

A nutricionista Milena vive uma rotina corrida, onde concilia o trabalho com os estudos da pós-graduação e a vida pessoal. Para ela, a alimentação é uma forma de autocuidado. “É a forma como eu me mantenho ativa, lúcida e com energia pra fazer o que gosto. Cuidar da alimentação é cuidar de mim, do meu presente e do meu futuro. E mais: é um gesto de respeito com meu corpo, minha história e minha saúde mental também”, diz.

A trajetória até o hábito de manter um estilo de vida saudável foi cheia de fases, recaídas e descobertas. Com os erros e acertos, ela afirma que o equilíbrio é o caminho mais sustentável para quem quer ser mais saudável. “Para manter o hábito, acho que o primeiro passo é parar de buscar o “perfeito” e começar pelo possível. Pequenas escolhas no dia a dia já fazem diferença. E o mais importante é olhar pra comida com mais carinho e menos culpa”.

E para manter uma alimentação equilibrada, a nutricionista adapta a culinária regional com versões mais leves de pratos típicos, com legumes, boas fontes de proteína e evita frituras exageradas. “Não abro mão do sabor, mas busco formas de torná-lo ainda mais nutritivo. É totalmente possível comer comida regional com identidade e equilíbrio”, comenta.

Milena recomenda o planejamento das refeições para manter o hábito, como a organização de marmitas, lanches prontos e o mais importante: não cobrar uma perfeição inalcançável, já que, para ela, o estilo de vida saudável é composto por prática e acolhimento, e não rigidez.

*Especial para O Liberal

**Estagiária de O Liberal, sob supervisão de Ana Laura Carvalho, coordenadora do núcleo de Atualidades