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Há 311 anos, quilombo do Abacatal, em Ananindeua, faz valer a palavra resistência

No dia da Consciência Negra, líderes do Quilombo do Abacatal promovem uma roda de conversa para debater o tema 'As múltiplas faces da África na Amazônia'

Daleth Oliveira / O Liberal

Dia 20 de novembro é o Dia Nacional da Consciência Negra, data instituída oficialmente pela Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. A celebração faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil. Ele foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. O personagem foi e ainda é símbolo da resistência à escravidão no Brasil.

Para o advogado membro da Comissão de Defesa da Igualdade Racial, Etnia e dos Quilombolas da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Paulo Squires, a data é importante para eternizar a memória de alguém que lutou contra a desigualdade social. “Zumbi deve ser sempre lembrado porque ele é uma figura que remete à nossa ancestralidade, história e luta negra; uma luta apagada na nossa história brasileira. Estamos e viemos de uma educação eurocêntrica e, na visão do europeu, ele é bom, influenciou positivamente a cultura brasileira e o mundo; mas isso não é verdade. Então, enaltecer Zumbi é enaltecer a história negra da construção da sociedade brasileira, por isso, precisamos manter essa história viva”, declara o ativista.

Apesar de estar no calendário há 20 anos, o dia em questão não é uma data comemorativa, visto que, apesar da população negra ser maioria no Brasil, ainda é minoria no que se refere ao acesso à educação, saúde e poder. Paulo explica que ela existe para lembrarmos de que precisamos tomar conhecimento do passado e presente do país, quanto aos problemas sociais, e criar estratégias políticas para combater a desigualdade racial.

“O dia da consciência negra não é um dia festivo. É um dia de reflexão, conhecimento e, principalmente, de luta, porque a desigualdade racial é o problema mais grave do País. A desigualdade entre negros e não negros é gritante, e isso quem diz são estudos de universidades, órgãos como IBGE, IPEA; tanto de análises sociais educacionais de saúde pública, econômicos; todos apontam essa diferença. Isso significa que os negros são os que menos têm acesso à universidade, os que tem menos anos de estudos no banco escolar, os que menos estão nos setores profissionais, em cargos de ensino superior; são os que mais estão na base da pirâmide, e a mulher negra é a que mais sofre nessa base da pirâmide; são os que mais estão nos empregos informais, os que menos estão em cargos executivos em empresas do setor privado”, explica Squires.

“Esses são dados importantes e estratégicos para refletirmos e pensar em políticas públicas para combater essa desigualdade no Brasil. Se nós não criarmos estratégias, nós não vamos conseguir um desenvolvimento social no país que seja próximo e de acordo com a Constituição Federal. Nós buscamos uma sociedade justa, solidária, de igualdade nas relações e igualdade de oportunidade. Só vamos chegar a uma sociedade ideal, se nós combatermos a desigualdade racial, que é um problema estrutural e social mais grave que nós temos”, continua.

Quilombo do Abacatal resiste

O território quilombola do Abacatal, na zona rural de Ananindeua, é constituído por mais de 150 famílias e tem 311 anos de história. Sua origem está ligada aos engenhos de cana de açúcar situados nas proximidades de Belém e às margens dos rios Guamá, Bujaru, Acará e Moju, muito comuns nos séculos XVIII e XIX.

A comunidade conta que o engenho do Uriboca, propriedade do conde Coma Mello, foi deixado como herança para três de suas filhas, as “três Marias”, fruto da relação do conde com a escrava Olímpia, dando início ao que conhecemos atualmente como “Quilombo do Abacatal”, que possui sua demarcação territorial regulamentada e titulada desde 1999.

Resistindo a mais de três séculos, a comunidade mantém viva a sua história por meio da arte. Entre diversas manifestações culturais que exaltam a identidade quilombola por meio do artesanato, gastronomia, dança, música e poesia; desde 2016, a banda Toró-Açu faz arte que encanta e entretém,ensinando os mais novos sobre suas raízes por meio de letras de música.

Para Paulo, há muito para se aprender com a comunidade. “O trabalho que eles fazem no Quilombo com artesanato, cultura, arte e educação é importante para a gente manter a nossa terra e nossa memória. Normalmente, no ensino fundamental e médio, estudamos muito a escravidão do Brasil, na Bahia, Rio de Janeiro, Minais Gerais, mas a gente não sabe como se deu aqui no Pará. A gente pouco estuda no ambiente escolar a escravidão na Província do Grão Pará. Comunidade Quilombola é a nossa história.

“Temos muito a aprender com a Comunidade Quilombola do Abacatal. É o Quilombo mais próximo que temos da capital, aqui na região metropolitana de Belém. Se visitarmos e escutarmos as pessoas que vivem nesta terra e saber como eles preservam sua ancestralidade, vamos entender nossa história. Com isso, teremos a responsabilidade de proteger a nossa terra, colocar ela cada vez mais intocada para que todo esse conhecimento e ancestralidade se perpetue”, finalizou.

Roda de conversa

No dia da Consciência Negra, líderes do Quilombo do Abacatal promovem uma roda de conversa para debater o tema: “As múltiplas faces da África na Amazônia”. O encontro está marcado para às 9h e tem os palestrantes confirmados: Vanuza da Conceição Cardoso (líder da comunidade), professor Aiala Colares Couto (Neab/UEPA) e advogado Peter Paulo (membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB/PA).

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