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Alzheimer: as lutas diárias de quem convive com a doença

Dominik Giusti

O sintoma clássico da doença de Alzheimer é o esquecimento, a perda gradativa da memória. O paciente, porém, não tem ciência de que está sendo acometido de tais debilidades – tanto que quem costuma perceber diferenças no comportamento do idoso, são as pessoas com as quais ele convive diariamente. Para os familiares, o diagnóstico da patologia é acompanhado por um grande desafio: como lidar com os cuidados cotidianos e como enfrentar as fases da doença, para que ela não progrida, já que não há cura?

“Às vezes os primeiros episódios começam com discussões em casa, o idoso teima que ele não deixou de fazer algo, que não está esquecido. E é justamente aí que a família vai começar a notar que o pai ou a mãe, geralmente, não conseguem mais fazer as mesmas coisas, como ir ao banco, fazer supermercado, algum trabalho que ainda fazia e notar erros que antes não existiam. Pode existir uma falsa impressão de que é puramente um esquecer de algo, mas não, é um comprometimento das funções executivas desse paciente”, explica a médica Camila Alves.

Luciana Pereira de Jesus, 38 anos, estudante de serviço social e autônoma, notou que a mãe Marlene, 78 anos, começou a ficar diferente logo após que o seu pai faleceu, em 2006. “Eles moravam sozinhos e viviam bem, faziam suas atividades. Uma irmã minha que morava no mesmo bairro que eles, começou a notar, depois da morte do nosso pai, que a mamãe ficou muito triste e começou a falar coisas sem sentido”, relembra.

 

O primeiro diagnóstico de dona Marlene foi a depressão, o que de acordo com a médica Camila Alves é um quadro comum também do Alzheimer. Após alguns meses de terapias e avaliações com equipe de médicos e psicólogos, a idosa foi diagnosticada com a doença degenerativa - que provoca deterioração das funções cerebrais afetando a cognição, a linguagem e as relações sociais, que segundo a Associação Brasileira de Alzheimer (ABRAz), se desdobra em três fases: leve, moderada e grave, com sintomas que podem se mesclar em cada etapa.

Para que se tenha certeza de que o paciente esteja mesmo com Alzheimer, a médica explica que são necessárias análises clínicas e exames complementares para a exclusão da suspeita de outras doenças - já que não existe um exame para detectar a patologia. “Não adianta internar em hospital, ir para urgência. É preciso marcar consulta com neurologista para que o paciente seja avaliado. As pessoas pensam que existe um exame que confirma, mas na verdade nós solicitamos para excluir outras possibilidades que possam imitar o quadro de Alzheimer”, explica Camila Alves.

Na família Pereira, os 10 irmãos optaram por dividir os cuidados e a logística de acompanhamento em terapias, e a cada mês a idosa fica com um dos filhos. “A gente não deixa mais ela só. Para nós, foi bem difícil, pois ela oscila muito. Tem dias que está bem, outros está mais confusa e irritada. Como ela sempre foi uma mulher muito ativa, para os filhos foi complicado aprender a cuidar dela nessa fase”, comenta Luciana, dizendo ainda que as casas onde a idosa fica foram adaptadas para que ela pudesse se locomover melhor e sem riscos. 

“Os médicos sempre orientam que o primeiro passo é ter muita paciência. Tem dias que ela lembra da gente e tem dias que troca os nomes ou nem sabe como nos chamar. Pensamos sempre em maneiras de não deixá-la tão isolada, por exemplo, faço um bolo e chamo ela para participar, pergunto o que ela quer comer e se ela sabe ainda sabe fazer, assim ela relembra receitas e memórias do passado”, conta Luciana Pereira. 

Tratamento 

A dra. Camila Alves aponta que as atividades feitas por Luciana são boas soluções de tratamento para serem aplicadas no dia a dia, a partir de estímulos ao idoso, para que ele não fique à mercê da evolução da doença. Ela diz que, como a enfermidade é incurável, a equipe que cuida do idoso - que deve ser multiprofissional - deve propor, além das medicações, uma série de terapias que melhoram o bem-estar da pessoa doente e podem retardar o avanço das fases mais agressivas do Alzheimer, de acordo com cada caso. 

“Os medicamentos são indicados conforme o histórico de vida e de saúde de cada paciente. Há alguns, por exemplo, que não são recomendados para aqueles que têm pressão alta. Como existem vários tipos de pacientes, desde os mais apáticos até os mais agitados, ou seja, que possuem predominância de sintomas distintos, os tratamentos também variam. As terapias em grupos e atividades físicas são importantes, pois diminuem a progressão da doença”, explica a médica.

A ABRAz indica que a administração dos fármacos desacelera a progressão da doença, mantendo-a estabilizada por um período, mas não evita que os sintomas evoluam. Outras medicações também podem ser indicadas para controle de sintomas como agitação, agressividade, alterações do sono, depressão, ansiedade, apatia, e da fase da demência, como os delírios e as alucinações. Já do ponto de vista da estimulação, indica-se a estimulação cognitiva, a estimulação social, a estimulação física, além da observação para a organização do ambiente e para o tratamento de sintomas específicos, por meio de terapias e atividades múltiplas. 

Mesmo com os cuidados diários e consultas mensais, Luciana conta que notou o avanço da doença na mãe, que antes gostava de participar de ações com grupos de terceira idade e hoje em dia prefere ficar deitada, assistindo televisão. “Ela chegou a fazer aula de dança em uma ONG, mas até para se locomover ela ficou com dificuldades. Percebemos uma aceleração dos sintomas de dois anos para cá, como se ela estivesse cansada de viver”, comenta a filha de dona Marlene. 

Para a dona Alice Sardinha, 89, mãe de Georgia Márcia Sardinha, 48, dona de uma empresa de confecção, a situação é diferente, já que a filha parou de trabalhar fora de casa e levou os pais para a própria casa, a fim de ser a cuidadora de ambos - o pai Agostinho Sardinha, 91, também mora com ela, mas não apresenta sintomas do Alzheimer. “Comecei a perceber muito cedo e marquei logo neurologista e comecei a procurar tratamento”, conta. 

Hoje em dia, a mãe comenta sobre a inversão de papéis. “Ela diz que antigamente a gente que obedecia ela e agora ela que tem que nos obedecer, ciente de suas limitações, já que a doença ainda não avançou tanto”, diz Georgia. Por outro lado, com um comprometimento sério na visão, ela precisa ter cuidados redobrados com espaço físico. “Já deixo as coisas dela em um lugar certo, sem criar rotina, para que eles se sintam estimulados a ir em busca do que precisam. De todo modo, a gente busca facilitar a vida deles”, comenta.

Mas nem sempre é fácil: Georgia tem de lidar com o fator teimosia, o que requer muito diálogo e explicações sobre a rotina em casa. “É preciso mudar até o tom da fala, a forma de falar”, defende a filha cuidadora, que buscou até mesmo fazer cursos para cuidar melhor de idosos e propõe atividades lúdicas como jogos de quebra-cabeça, mas também mostrar como a mãe é amada, o que resultou em um ensaio fotográfico com a família. Evangélicos, Georgia também busca nos hinos da igreja uma forma de manter a mãe ativa, estimulando-a a cantar.

Ela nota avanços na saúde física e mental da mãe, após ter mudado o seu estilo de vida e ter se dedicado aos cuidados com seus genitores, já que é Georgia que os leva para passear, para ir à igreja, para visitar amigos e filhos - com quem divide também parte dos cuidados. Dona Alice também já teve acesso às consultas com terapeuta ocupacional e participou de sessões de acupuntura, o que ajudou a melhoria do seu dia a dia. “Ouvimos muito as orientações médicas para fazer tudo da melhor forma”, diz Georgia.

 

Prevenção

A dra. Camila Alves explica que como o Alzheimer é uma doença do envelhecimento, que acomete pessoas com mais de 65 anos em 95% dos casos, a prevenção é cuidar do cérebro com estudos e estímulos durante toda a vida. “Os estudos indicam que quase todos nós vamos sofrer com a doença –
alguns mais cedo, outros mais tarde. O que protege é o estudo, a escolaridade, tanto que, quanto mais a pessoa estudou e se manteve ativo, é possível – ainda doente – continuar aprendendo a fazer coisas novas e ficar protegido do avanço da doença”, explica a médica. 

FASES DA DOENÇA

Estágio inicial

Confundido com esquecimento comum do dia a dia, o estágio inicial é pouco percebido e as pessoas mais próximas ao idoso costumam confundir com o processo geral de envelhecimento. Nem sempre é possível ter certeza de que se trata de Alzheimer, mas alguns sintomas são: 

- Ter problemas com a propriedade da fala (problemas de linguagem);
- Ter perda significativa de memória – particularmente das coisas que acabam de acontecer;
- Não saber a hora ou o dia da semana;
- Ficar perdido em locais familiares; 
- Apresentar mudança de humor, depressão ou ansiedade;
- Reagir com raiva incomum ou agressivamente em determinadas ocasiões;
- Apresentar perda de interesse por hobbies e outras atividades.

Estágio intermediário 

Com a piora do quadro de saúde do idoso, é possível perceber com mais clareza a gravidade dos sintomas, que ficam mais recorrentes: 

- Pode ficar muito desmemoriada, especialmente com eventos recentes e nomes das pessoas;
- Pode não gerenciar mais viver sozinha, sem problemas;
- É incapaz de cozinhar, limpar ou fazer compras;
- Pode ficar extremamente dependente de um membro familiar e do cuidador;
- Necessita de ajuda para a higiene pessoal, isto é, lavar-se e vestir-se;
- A dificuldade com a fala avança;
- Apresenta problemas como perder-se e de ordem de comportamento, tais como repetição de perguntas, gritar, agarrar-se e distúrbios de sono;
- Pode ter alucinações (vendo ou ouvindo coisas que não existem).

Estágio avançado

É o período em que o paciente se encontra totalmente dependente de uma outra pessoa ou em estágio de completa inatividade, com gravíssimos distúrbios de memória. A pessoa pode: 

- Ter dificuldades para comer;
- Ficar incapacitada para comunicar-se;
- Não reconhecer parentes, amigos e objetos familiares;
- Ter dificuldade de entender o que acontece ao seu redor;
- É incapaz de encontrar o seu caminho de volta para a casa;
- Ter dificuldade para caminhar;
- Ter dificuldade na deglutição;
- Ter incontinência urinária e fecal;
- Manifestar comportamento inapropriado em público;
- Ficar confinada a uma cadeira de rodas ou cama.

O Liberal